Em dado momento, a protagonista de Mia Goth, Maxine, exclama algo sobre sair do cinema de horror e não ser estigmatizada por isso. O que se torna pra lá de irônico não só pela alcunha de “nova scream queen” que o público tem dado a atriz, mas pela própria apatia na qual a atriz passeia pelos 100 minutos de projeção de Maxxxine, encerramento da trilogia (será?) de Ti West. Porque sim, o piloto automático de Mia Goth indica não só um certo cansaço da personagem, mas a ausência de escalada dessa própria narrativa ambientada numa Hollywood em ebulição pelas mudanças sociopolíticas e a instauração de um fundamentalismo religioso numa uma América tomada pelo medo da depravação e da violência - não à toa, estamos falando de um recorte onde vemos o surgimento de cultos satânicos e o boom de serial killers, mais especificamente, na ascensão dos crimes de Richard Ramirez, batizado de Night Stalker.
Aliás, essa longa definição sobre a ambientação de Maxxxine igualmente indica um dos problemas centrais que Ti West enfrenta aqui: o desespero pelo maior de número de possibilidades para piscadelas, sacadinhas, estímulos totalmente ligados ao que o espectador pode reconhecer como referências do cinema de horror maneirista, e nesse passo, vamos de Brian De Palma a Paul Verhoeven, de Hitchcock a David Lynch, sem formar uma única unidade nesse caminho. A Los Angeles decadente e granulada de West é apenas uma ponte para o fetichismo de um cineasta com a personalidade de um cinéfilo oriundo diretamente do IMDB. Personalidade essa que, claro, já se desenhava em X - A Marca da Morte (X, 2022) e, principalmente, em Pearl (Pearl, 2022), mas que aqui caem nessa banalização das próprias inspirações do diretor.
E neste caso, como esse suposto encerramento acompanha Maxine após sobreviver ao terrível massacre no Texas, com a personagem já estabelecida no mundo do cinema pornográfico, mas buscando trilhar novos caminhos como atriz, perde-se a oportunidade gigante de retrabalhar os anseios e esforços de Maxine em se tornar a real estrela que acredita ser: essa ideia de uma vítima de um trauma buscando numa cidade igualmente traumatizada, mas ainda lúdica, a sua possibilidade de ascensão e exaltação, acaba sabotada pelo próprio roteiro que ignora a importância dos processos.
Não sabemos nada sobre o que se passou com Maxine durante os seis anos após o massacre. Não vemos absolutamente nada do processo de produção de The Puritan II, filme pro qual a personagem é escalada como protagonista. Essa pressa em sair do ponto A para ir ao ponto B até chegar no ponto C atrapalha não somente a própria ambientação do filme, desinteressado pela própria Hollywood que o cerca (quase tudo limita-se ao textual), mas na própria crescente discursiva que já acontecia desde X - A Marca da Morte (X, 2022). O que havia de mais interessante nos dois anteriores era, especialmente, esse posicionamento de West diante de um cinema anti-moralista, que abraçava com muita coragem a identidade do “não-arte” como uma análise de dentro pra fora de um gênero.
Em Maxxxine, mesmo que ambientado na ascensão da indústria de filmes adultos, vê-se um filme muito mais púdico e comedido nas próprias imagens - seja nas perseguições, na sanguinolência ou nessa opção muito estranha da câmera evitar os seios de Mia Goth em dado momento. Fica a impressão de que a distância entre este e os dois primeiros capítulos, filmados simultaneamente e lançados muito perto um do outro, afetaram a energia que poderia e deveria ter sido posta sobre Maxxxine, desesperado em se unificar a eles, mas muitíssimo desorganizado nesse processo. E se Mia Goth já parece um tanto desapegada do abraço a sua personagem (mas aqui também podemos culpar o material da vez que oferece menos possibilidades para a atriz) que é apenas jogada de lá pra cá até culminar num clímax completamente despropositado e com reviravoltas inseridas à fórceps, o desfile de coadjuvantes que, por mais interessantes que sejam, nunca parecem engatar dentro de uma narrativa já engessada, atrapalham ainda mais a imersão no universo de Ti West.
Elizabeth Debicki surge numa caracterização fascinante como a diretora de The Puritan II, mas privada de exemplificar qualquer ação que contextualize suas dificuldades enquanto mulher numa indústria predominantemente masculina, noções essas que se limitam ao textual. Kevin Bacon sai rápido demais de cena como o detetive particular esdrúxulo que persegue Maxine (imperdoável como Ti West aproveitada NADA da perseguição pelo estúdio), e mesmo Giancarlo Esposito como o empresário duvidoso da protagonista é eliminado sem muitas firulas quando seu personagem finalmente encontra algum ponto de virada.
Assim, Maxxxine termina como um filme que não acontece, falho na apoteose de sua personagem-título, um mero passeio por ideias, referências, luzes e granulados que não se firmam como um filme, mas como um mar de ideias que ficaram pelo meio do caminho. E olha que, de acordo com Ti West, as conversas para um quarto filme já estão acontecendo. Caso aconteça, que se disponha a ser um capítulo que abrace novamente o disruptivo, e não este encerramento acanhado, mais preocupado em parecer ser do que realmente ser.
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