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Corrida Mortal: Anarquia

(Death Race: Beyond Anarchy, 2018)
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Críticas

Cineplayers

Um Frankenstein simbólico num carsploitation erotic soft porn

6,5

Continuação direta (os outros 2 são prequels) do filme de 2008 – Corrida Mortal (Death Race, 2008) –, que aposta num maior exagero da premissa ao trazer uma prisão imensa (onde ocorrem as corridas de forma mais desenvolta) e no crescimento do poder de Frankenstein como figura mítica. Mantém a violência usual da saga e aumenta ainda mais o tom de erotismo. O tesão do exploitation moderno com a ação ordinária de sempre desse subgênero nos 2000, além da repetição de cacoetes narrativos da própria cinessérie desde a refilmagem. Diverte por não se levar tanto a sério, pelo excesso de referências, putaria e brutalidade estupidificante.

O tensionamento entre A Corrida Mortal e o estado norte-americano chegara ao limite por conta da representação de poder que a liderança interna da cadeia – Frankenstein – estaria em progressão, então uma empresa privada compra a prisão com a missão de acabar com Frankenstein e com a Corrida mortal. Mas não na base somente da invasão policial (como é algo aprendido nos primeiros minutos desta ignorante fita), mas através da destituição simbólica do próprio Frankenstein. Afinal, o processo talvez se findasse com o liquidar do líder. E aqui temos o caráter mais interessante (das refilmagens) dado ao Frankenstein como manipulação e continuidade mítica de um personagem. Começa com um tema já batido dessa saga que é a já citada mitificação apenas da figura ao sempre trocar o piloto quando o mesmo papoca, sem trocar o personagem, porém isto era feito para manter o sistema carcerário lucrando (o que não deixa de acontecer aqui), algo que nesse filme atinge outra camada, a da alienação popular que era coisa vista no filme de 1975. E aqui o truque é a retomada nos anseios populares fora da prisão e que se destaca no controle dos detentos que acatam ordens não só de uma liderança, mas de um imperador quase com dons divinos. Esta é a convergência simbólica mais instigante desse filme imbecil por natureza própria. Este simbolismo, claro, é vendido com frases inepciamente escrotas dos personagens em alguns diálogos canhestros, mas está tudo lá estampado. A consciência dos organizadores quanto a isso contrasta com a subconsciência do público, onde os primeiros planejam a continuidade do personagem enquando os segundos anseiam pela imortalidade de seu líder. Essa dualidade é regada com sangue, tripas, carros envenenados e nudez.

A violência não mostra nada de tão novo dentro da série – nada que no ano anterior a sequência direta para o filme de 1975 Corrida Mortal 2050 (Death Race 2050, 2017), não tenha mostrado mais frontalmente –, mas mesmo assim mantem o tom escroto, e diferencia-se num maior exacerbo do erotismo, com nus frontais da mulherada para atender o macharal público alvo de plantão, além de bundas e peitos diversos de homens e mulheres a rodo. Um carsploitation pós-semi-apocalypse erotic soft porn. É uma maravilha quando não há tantas amarras morais a um determinado filme e ele se propõe a agarrar grosseiramente seu universo apostando no que há de propício a uma diversão rasteira e apelativa. Honesta. Enquanto a saga Velozes e Furiosos bebera na fonte apostando em mulherada seminua e caras bombados (devido às intenções de público existem limites, algo que o tema família é usado espertamente na saga em cada filme), aqui as limitações são outras, e não abraçadas na moral familiar ou quaisquer outras frescuras que o valham. Mas a objetificação de mulheres e homens está lá. Óbvia até o talo. A curtição rasteira se aproveita criminosamente disso.

As referências explodem em tela. Desde Fuga de Nova York (Escape From New York, 1981), a prisão imensa ter sido escolhida como um local para desovar os vagabundos num universo sem lei e cercada por muros; à Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015), no que tange à representações lisérgicas tanto de bandas tocando em meio aos eventos quanto como no crescimento da sujeira e poeira das corridas, aqui numa espécie de retroalimentação, já que o filme Corrida da Morte - Ano 2000 (Death Race 2000, 1975) influenciara Mad Max (Mad Max, 1979). O filme acaba por ser uma colcha de retalhos de referências visuais e temáticas que vão se encaixando conforme a proposição narrativa do roteiro que apela para as relações de nudez e violência entre as cenas de corrida já também brutais. Estas últimas, que são sempre o carro chefe (aquele trocadilho vagabundo) deste tipo de trabalho. Aqui ficaram na responsabilidade do diretor Don Michael Paul, figura responsável por ser convocada a fazer filmes de ação que são normalmente sequências de filmes conhecidos lançados diretamente para vídeo [Pânico no Lago: O Capítulo Final (Lake Placid: The Final Chapter, 2012); Soldado Anônimo 2: Campo em Chamas (Jarhead 2: Field of Fire, 2014); O Atirador: Legado (Sniper: Legacy, 2014); O Ataque dos Vermes Malditos 5: Linhas de Sangue (Tremors 5: Bloodlines, 2015) – este último, excelente] . Exatamente o que esta fita aqui também é – o fato de ser direto para vídeo implica orçamentos mais baixos, porém é algo que concomitantemente permite mais ignorância nos abusos. O diretor coordena decentemente as cenas de ação sem grandes arroubos estéticos (nem necessários tanto assim seriam) que sejam, mas também não permite que a montagem seja picotada o suficiente para nos tirar da projeção. Alinha bem a brutalidade com trocas e escolhas de planos mantendo o trabalho fluido, inclusive um tom acima de qualidade se compararmos aos anteriores desde 2008.

Em seu encerrar, repete os cacoetes da persistência do personagem Frankenstein em continuar de qualquer forma que seja – meio que o filme nos entrega isso em seu nascedouro, inclusive de quem vai continuar o legado –, sem que hajam grandes preocupações de quem vai assumir o manto e no porquê também assim vai fazê-lo. As relações são imbecis mesmo, sem tempo para tramas e profundidades. Agradeçam já haver o trato com a constituição simbólica do principal personagem da saga aqui ser um pouco mais trabalhado. É o que tem pra hoje. E diverte assim mesmo.

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