Transatlântico é encontrado por um bando de mercenários que ali estão para cometer alguma mutretagem, e lá descobrem que a tripulação e passageiros foram atacados por um monstro chupa-cabra marinho gigantesco que vai sugando os líquidos da galera até o esqueleto. Puro suco dos anos 90. Horror com humor e muita violência, o que era uma pegada que quando bem ajambrada, funcionava invocadamente.
Parte duma premissa absolutamente simples onde apresenta rapidamente os personagens e suas características unidimensionais – defendidos por um elenco completo e maravilhosamente canastrão –, que estão ali para somar nos assassinatos do animal e perfilarem traições e valentias obtusas. Uma conjuntura de gente escrota e não confiável que combina perfeitamente com a canalhice dessa produção. Material dirigido por Stephen Sommers que escolhe o escracho e a nojeira como forma de expressar um pensamento de filme de ação/eco-horror da década anterior somado ao sarcasmo cínico próprio dos anos 90. Corroborando isso temos o protagonista John Finnegan (Treat Williams), que é um misto de destemor insano e senso de cinismo com propósito de salvar só a si mesmo. Não sem que hajam piadas insanas em momentos de puro horror que alimentam a sensação de irracionalidade da fita, que realmente não se leva a sério e prima pelo divertimento grosseiro. A preocupação aqui é fomentar um clima de aflição que sirva às cenas de ação para a aparição consequente da aberração.
O monstro. Anêmona-do-mar gigante. A desculpa de roteiro é que este macrófago carnívoro – que normalmente se aloca a uma profundidade de 30 metros – estaria vivendo nas profundezas do oceano e por isso crescera tão absurdamente. A apelação no mistério do desconhecido dos confins do oceano, com aporte científico num delicioso achismo delirante. E pronto. Não precisa de mais nada das origens da besta. E nem esta é a intenção. A construção do monstro, com seus tentáculos infinitos, que parecem ter inteligência própria, é de design visual criado pelo mestre Rob Bottin. O diretor escolhe esta maneira abusiva da criatura para manter a tensão alta mesmo com algo faltando ali. A independência destes tentáculos dá continuidade à perseguição e mantém ainda um mistério acerca da dúvida com o que diabos aquilo se parece (já que só partes da figura dão as caras). Um monstrengo mostrado aos poucos. Sommers usa e abusa dos efeitos digitais (Dream Quest e Industrial Light and Magic) pra criar um animal imenso, e apesar dos usos problemáticos do CGI nos anos 90, consegue ser inventivo e convincente, na maior parte do tempo, no tensionamento proposto; nas mortes absurdas (uma do personagem Billy digerido pela metade é sensacional); e no excelente encontro final com a fera.
Esquema anos 90. Agressividade, sarcasmo e muita putaria pra se resolver tudo e escapar nos últimos minutos. Diversão abertamente escapista. A movimentação de seus personagens em busca de riqueza e eles tendo que lidar com uma criatura desconhecida, é levada a cabo com curtição e referências a filmes clássicos como Aliens – O Resgate (Aliens, 1986) do James Cameron; este último trabalha com ação e uma ponta de mistério para o que realmente era responsável pelos aliens. Em Tentáculos a dimensão é menor, mas se aproveita dos mais variados clichês abusivamente copiados, mas a total intenção de farra faz com que tudo se execute. Outros filmes escolheram este caminho do avacalho, como os tubarões do contemporâneo Do Fundo do Mar (Deep Blue Sea, 1999), mesmo que este último ainda tenha um pé em certa seriedade. Em Tentáculos o avacalho é completo. Pra servir a isso existe a boa montagem que coordena bem a movimentação da criatura com os desesperados em fuga.
Os filmes de monstro dos anos 90 quando funcionam (guardam similitudes com fitas antigas como ciência avulsa e personagens imbecis), assim o fazem por aceitar a doença de suas tramas com humor e acertando bem em algum quesito primordial como elenco; violência; comicidade rasgada; ou algum outro aspecto técnico como montagem/fotografia ou na criação das próprias bestas. Nem precisa acertar tudo. Se focar bem em alguns de tal maneira, acaba por operar bem. Como estamos falando duma época na qual o avacalho não era só aceito no cinema, mas incentivado, as criações primavam pelo exagero tranquilamente sem preocupações com verossimilhanças externas ao seu eixo, o que abria para uma liberdade de ação mais despreocupada fruto de uma aceitação da época (algo altamente apregoado também no horror dos 80). Narrativas mais malucas e/ou escrotas eram alopradas com todo o tipo de marmotas assassinas como máquinas de lavar, lulas imensas, elevadores, sofás, camisinhas dentadas, anêmonas-do-mar gigantes e os caralhos. De maneira que em até filmes de orçamento moderado ou mais robustos isto também rolava, o que é feito neste presente caso. Uma classe de filmes B com grife.
Um material acaba por nos servir para uma reflexão acerca da chatice dalgumas alas do cinema contemporâneo que quando não teimam por verossimilhanças quase documentais, apostam num proselitismo politicamente correto que se configura em obra assexuadas e/ou alienadas mais do que suas próprias condições poderiam permitir. Vamos apostar na liberdade de ação do avacalho, que tem muito a nos confidenciar na base do grito e da mais fina putaria. Deixemos a zuada ter a sua vez. Uma ode a canastrice divertida que nos remete a um cinema proposto para abraçar tudo despreocupadamente. Que sirva tanto como prazer quanto um aceno sacana a tudo que o cinema de horror visceral pode, e deve, continuar a nos proporcionar.
Parte do especial Monstruosidades Imensas
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