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Porto dos Mortos

(Porto dos Mortos, 2010)
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Críticas

Cineplayers

Porto dos mortos

6,0

Quando pensamos em filmes de zumbis, sempre nos deparamos com uma questão que às vezes não se explicita, mas está lá, constantemente nos rondando: com que tipo de zumbi estamos lidando? Afinal de contas, esses monstros acabam falando mais do que deveriam sobre a cultura que os forjou. O subgênero de zumbi no Brasil, embora insólito (ao menos até agora), possui peças interessantes que acrescentaram em muito ao cinema de terror nacional, como o longa Porto dos Mortos (2010), escrito e dirigido por Davi de Oliveira Pinheiro.

O filme, que começou a ser rodado em 2007 mas só foi lançado em 2010 pela Lockheart Filmes, conta uma história pós-apocalíptica na qual a Terra foi inundada por mortos-vivos e os vivos restantes lutam pela sobrevivência — em outras palavras, o arroz com feijão de todo filme de zumbi que se passa após o surto que gerou seu surgimento. Mas aqui há uma mescla de elementos regionais (gaúchos, no caso) e gêneros cinematográficos, mais marcadamente o road movie, tão presente na filmografia brasileira, e o faroeste espaguete. O Policial (Rafael Tombini), protagonista do filme, anda pelas estradas vazias dos Pampas em busca de um serial killer conhecido como o Passageiro. No caminho, dá carona para um casal de sobreviventes e logo encontra outros três, liderados por Franco (Álvaro Rosa Costa), que vivem com relativo conforto em uma casa de campo. Mas não demora muito até o Passageiro e sua trupe surgirem no local e causarem uma algazarra sangrenta.

Mas e os zumbis? Sim, eles estão lá, dignamente maquiados para um filme que contou com um orçamento de 300 mil reais, desembolsados pelos próprios criadores. Mas os já bem conhecidos caminhantes não chegam a representar uma grande ameaça aos vivos. Não parecem estar sedentos por cérebros humanos, o que pode causar um certo “desconforto” no espectador. E sua origem, embora não bem explicitada, destoa de tudo o que estava sendo feito no restante do mundo. Em um interlúdio, fica claro que o Passageiro é na verdade um demônio de olhos vermelhos que passa de um corpo para outro, estando atualmente encarnado na atriz Tatiana Paganella. A iconografia litúrgica do filme já antecipava isso. Velas acesas, pentagramas de sangue, referências ao inferno e um livro de couro ao melhor estilo A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1981, Sam Raimi), sugerem que nessa distopia o Diabo é que tá solto. Se em outros lugares a narrativa viral pandêmica estava no auge, Pinheiro optou pelo apego religioso, em uma jogada que flerta mais com o cinema de horror brasileiro do que com o subgênero zumbi, apesar de exceções como o espanhol [REC] (2007, Jaume Balagueró, Paco Plaza).    

Embora Zé do Caixão ironizasse as crendices populares, acabou sendo levado à meia-noite por fantasmas em um cemitério em À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964, José Mojica Marins). O terror brasileiro nasce e floresce daí em diante ancorado em tradições orais sobrenaturais, superstições e qualquer tipo de confronto com a religião “oficial” cristã, às vezes utilizando as religiões de matriz africana como um elemento negativo. Não estranha que o “fator z” aqui estivesse emaranhado em uma trama quase religiosa, diferentemente de outras distopias zumbis.

Estreando como diretor de longas, Pinheiro buscou o road movie como base e o faroeste como estilo. Logo no começo do filme, o Policial protagoniza uma sequência violenta fortemente inspirada no espaguete. Os duelos também tiveram poderosa presença no filme, assim como um figurino que se referenciava ao Velho Oeste americano ao fazer uso da vestimenta típica gaúcha. Mas os problemas de direção e roteiro são percebidos logo no início. Pinheiro opta quase sempre por planos abertos e contínuos, talvez por conta do orçamento apertado, o que tira o impacto dessas sequências e de todo o resto do filme. A velha ladainha do filme independente – atores robóticos, cenários mal construídos, figurino ruim, etc. – não são nem um pouco ajudados pela direção e roteiro.

Na verdade, o texto é fraco, os diálogos pobres e a criação do universo distópico da trama um pouco desinteressante. Os personagens são mal construídos e parecem agir de forma pouco orgânica. Não há um peso na direção, que parece mais perdida às vezes do que os personagens. O filme também peca ao tentar criar uma identidade de montagem que simplesmente não funciona. Com jump cuts e loopings, a tentativa de criar uma dinâmica rítmica parecida com o western é atrapalhada pela má execução. De fato, Pinheiro tenta servir a dois deuses, o ritmo lento dos roads movies e a agilidade de cortes e enquadramentos do faroeste, mas acaba falhando nos dois. A trama se arrasta e as engrenagens que fazem a história caminhar ficam sem óleo: são confusas e não despertam curiosidade.   

No entanto, Porto dos Mortos é um filme interessante no aspecto da junção de gêneros e na capacidade de fabular mortos-vivos e sobreviventes tão peculiares. E fala mais sobre como pensamos em zumbis do que sobre eles em si. Agrega ao “horror brasilis” uma distopia particular, com pitadas de regionalismo e do sobrenatural.     

Crítica integrante do especial Abrasileiramento apropriador do Halloween

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