Goste ou não, o grego Yorgos Lanthimos é um cineasta criativo, característica que se estende por qualquer aspecto de seus filmes, mas recai principalmente em sua abordagem gélida, o que inclui toda construção de personagens, enfatizando trejeitos introspectivos destes, assim como de todo contexto social no qual sua história irá se delinear. E essa tal abordagem vem embutida de um sem número de artifícios caros, como vale dizer, a trilha-sonora pontual e grave, travellings, a fotografia fria e o distanciamento emocional do personagem. The Sacrifice of Sacred Deer é um perfeito exemplar do grego, com todas suas virtudes, porém também com os defeitos que todo esse seu traço autoral insiste em possuir.
O filme como de costume é extremamente atmosférico, cada elemento posto em cena contribui para tal, mas a rigidez é tamanha que quando a trama alcança seu ponto de ebulição e vem a histeria, o diretor parece ainda não equilibrar seus elementos nesta transição. Ele sabe manter-se fiel a frieza e sua climatização inicial - aqui fala-se da imagem, o personagem esbraveja mas ainda há o clima gélido -, o que é respeitável, pois ao meu ver seria ainda pior perder completamente a mão. O que ocorre com Lanthimos trata-se de uma artificialidade incômoda quando sua história adentra no ato decisivo e seus personagens precisam abandonar sua posição de conforto.
Foi assim com The Lobster, após o magistral ato introdutório, e se repete com este seu mais novo filme, que após caminhar firme em seu início ambíguo, encarar com dignidade o, digamos, plot twist, se perde nas conclusões, isso se aplica tanto aos conceitos narrativos, quanto à própria discussão que se propõe a fazer, o melhor exemplo talvez seja o choro abafado de culpa de Farrel sozinho, que salta na tela, ainda que tenha precedentes óbvios. Para melhor esclarecer, imagina-se ele como uma rocha que de repente torna-se uma taça de cristal e se quebra, essa transformação explicita a citada artificialidade na qual o diretor cai.
Como já dito ele se utiliza de um sem número de artifícios estético/narrativos que pertencem ao seu estilo, os quais alguns já foram exemplificados. E o efeito gerado pelos mesmos são sintomas do que acontece com o diretor no trecho final, demonstrando exatamente sua fragilidade em concluir e principalmente em conduzir a situação quando esta está fora de controle. Tudo aquilo que propôs para ambientar sua história no início ressoa incomodamente de forma insistente por todo o filme, gerando uma sensação de redundância, parece que o próprio desacredita de sua capacidade de criar tensão em poucas cenas, sem precisar aplicar estes seus vícios constantemente. Em dado momento os diálogos em off, que se arrastam de uma cena para outra já estão extremamente desgastados e não mais força alguma possuem.
Porém o problema não trata-se apenas de repetição e insistência, o que diminui o impacto, diluindo totalmente a força destes elementos é a postura inconclusiva do diretor em fazer dialogar estes elementos com a sua história, não que ele devesse esclarecer todos os simbolismos de sua mise-en-scène, gerando também desgaste através do tom explicativo, mas fazer tais recursos colidirem em dado momento com o oposto, tendo ai uma pequena conclusão dentro da história maior, o que faria esta caminhar. Um exemplo positivo disto, empregado aqui por Lanthimos é quando, em face de uma turbulência familiar, Farrel e Kidman caminham pelo hospital seguido por uma câmera trêmula, contrastando belamente com a forma reta com que ele foi filmado no início no mesmo ambiente, denotando assim uma mudança em seus personagens sem a necessidade de qualquer exposição verbal, apenas com a imagem.
Outro obstáculo que o diretor esbarra é a estagnação de sua trama. Após o plot twist arrebatador, a história parece não avançar entre idas e vindas dentro do monumental hospital, numa longa espera dos personagens por uma resposta médica, quando na verdade trata-se de um fenômeno sombrio inexplicável. Neste momento há um esboço de angustia e uma investigação na espera, mas da mesma forma, se esvai com as repetições estilísticas desgastando qualquer interesse que tenha surgido, com a forte impressão de estar diante dos mesmos argumentos anteriormente apresentados.
Uma vez que se propõe a falar de temas como justiça e culpa, o filme transforma uma relação paternal em um jogo doentio de horror psicológico para fazer reverberar pelo tempo irresponsabilidades do passado e a auto-destruição de uma família padrão de uma sociedade calculadamente moldada. Mas o que se tem é uma dinâmica baseada em simples ação e reação consideravelmente superficial perfumada pelo mistério natural à história central. Se em The Lobster seus defeitos não foram suficientes para prejudicar por demais o resultado total, nesta sua mais recente obra eles acabam por destituir o todo de qualquer força argumentativa, ainda que seja possível enxergar um potencial bom filme emaranhado por ali. Todo seu cinema possui uma áurea cult instantânea, e honestamente não é para menos, seus enredos não são menos que curiosamente instigantes, porém ainda Lanthimos segue tropeçando na execução.
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