"THE GOLDEN RULE: YOU HAS THE GOLD, MAKES THE RULES."
Não é a primeira vez e com certeza não será a última que afirmo que John Carpenter é um dos meus diretores favoritos desde que me conheço por gente. Para mim, Carpenter - a quem gosto de me referir merecida e respeitosamente como Mestre - é gênio. Sim, gênio. Gênio idealizador de cinema da cultura pop e um de seus maiores e mais importantes representantes. Desafio alguém a citar um só filme do Mestre que seja vazio, gratuito banal ou descartável. Não estou dizendo que todos os seus filmes sejam obras-primas ou que Carpenter nunca tenha pisado na bola (pois até mesmo Bergmann, Welles, Hichtcock, Zimmermann, Lang e outros gênios cometeram seus deslizes), mas a análise e a visão sócio-cultural do diretor aliada ao melhor que o cinema comercial pode oferecer sempre resultou em obras atemporais, que mesmo não recebendo a devida atenção e reconhecimento na época de seu lançamento, impressionantemente ganharam força com os anos e se tornaram-se clássicos do circuito cult do cinema. A biografia cinematográfica de Carpenter é tão peculiar quanto genial. A estrutura de suas obras, quase que em sua totalidade, é muito similar: o comportamento da sociedade e sus rumos são o objeto de estudo. O fio condutor é sempre um acontecimento extraordinário. O protagonista, por sua vez, é invariávelmente sarcástico e irônico. E essa é a característica crucial na filmografia de Carpenter. Esse anti-herói sarcástico e irônico não é um simples artifício de apelo popular, mas uma personificação de uma idéia crítica e protestante por parte do cineasta, quase anárquica. É como se Carpenter debochasse do sistema que analiza. E pra fazer isso em meados dos anos 80 era peciso muita coragem. E um cineasta estadunidense, no auge da sua carreira, fazer um filme para criticar escancaradamente o sistema capitalista em plena Guerra Fria então... Coisa de gênio mesmo!!! Foi isso que John Carpenter fez em Eles Vivem (They Live, 1988), obra mais autoral, pessoal e politizada do Mestre, baseado no conto "Eight O'Clock In The Morning" de Ray Nelson. A verdadeira expressão do seu cinema.
Genial desde seu título, Eles Vivem é um marco na carreira de Carpenter. Infelizmente, um marco negativo. Ironicamente foi após este filme que a carreira do diretor entrou em decdadência total. Suas obras continuaram com a qualidade e o conteúdo de sempre, mas Carpenter foi riscado do mapa quase que por completo. Mas o circuito cult ganhou força com o passar do tempo, assim como os fãs que nunca abandonaram o diretor e, como eu disse em meu comentário sobre Fuga de Nova Iorque (Escape From NY, 1981), o tempo sempre foi aliado de Crapenter, reparando quase todas as injustiças que foram cometidas com o diretor, e Eles Vivem é visto de forma bem diferente após 26 anos e continua cada vez mais atual.
John Nada (Roddy Piper, astro da WWE) é um trabalhador comum que descobre que nossa população está sendo manipulada por uma raça alienígena que nos induz à um estado submisso quase letárgico de conformismo e consumismo, desculturalizando-nos e transformando-nos em marionetes enquanto usufruem das riquezas naturais e econômicas do nosso planeta. Teoria da conspiração, Idiocracia Programada, Iluminatis, Draconianos, Mensagens Subliminares e crítica ferrenha ao sistema de governo capitalista imperialista. Eles Vivem é um verdadeiro chute no saco da América, a "terra das oportunidades", pois sua explanação parte da perspectiva da classe mais afetada, que são os trabalhadores.
John Nada consegue enxergar a verdade oculta nas mensagens de propaganda e a real face das criaturas por trás deste engenhoso plano por meio de um óculos especial. Este óculos representa a revelação, o conhecimento, a verdade. Note como, tanto na cena do pronunciamento do hacker na tv, como quando os personagens usam os óculos por tempo demais, eles reclamam de dores de cabeça. É como se a verdade machucasse e olhar diretamente para ela fosse tão arriscado quanto necessário. Logo de cara, bem no início do filme, nos deparamos com uma cena curiosa, mas muito representativa. Enquanto acompanhamos Nada vagueando pelas ruas, vemos um cidadão parado, quase hipnotizado olhando para um comercial nas tvs expostas em uma vitrine em uma loja. A publicidade e a propaganda movem o mundo e Carpenter captou e transmitiu isso de forma brilhante nessa obra fantástica que é They Live.
O egoísmo e o egocentrismo característicos da raça humana são muito bem aboradados também. Uma casta da nossa sociedade se vende e vende o restante de nós em troca de fortunas, cargos importantes e influência na sociedade. Se você prestar atenção nas nossas relações de trabalho ou mesmo convívio social, verá que a "realidade" não é tão diferente. Nossa ambição e cultura imediatista nos faz acreditar que qualquer montante adquirido de forma rápida e fácil é compensador. Não pensamos a longo prazo, visando um ganho maior e coletivo em um futuro próximo. Isso sim, perece ficção científica.
Mas acima de tudo e antes de mais nada, Eles Vivem é um filme de John Carpenter. Portanto, existem outras características inerentes ao seu cinema além de todo o estudo sócio-cultural do homem e do uso de um anti-herói sarcástico e irônico como protagonista. A sempre ótima e marcante trilha sonora se faz presente, principalmente com a música tema composta pelo diretor em conjunto com Alan Hawarth. Além disso, o bom humor e a diversão estão vêm em doses cavalares, principalmente nos excêntricos diálogos de John Nada. Como não mijar nas calças de tanto rir quando Nada tira os óculos cheio de estilo, olha fixo nos olhos do policial e diz "impossibe", quando lhe é dito que os humanos pareciam tão asquerosos para os alienígenas, quanto o inverso. Impagável!!! Assim como a épica cena do banco. Nada parado, com suas madeixas louras esvoaçantes, óculos escuros, camisa xadrez, mascando chicletes e espingarda na mão e dispara: "Eu vim aqui para mascar chicletes e chutar algumas bundas. E meus chicletes acabaram...". Com certeza, um dos diálogos mais bizarros e engraçados da história do cinema.
Mas não é só com diálogos bizarros que Eles Vivem nos agracia. Muitos deles são de alto conteúdo crítico e até mesmo filosófico. "Continue andando nos trilhos e acabará atropelado", "A vida é uma vadia e está no cio" e "Eles vivem, nós dormimos" são alguns dos mais impactantes, assim como "esse é o seu Deus", implícito nas notas de dólares (que possuem o símbolo dos Iluminatis). Sensacional. Há também uma cena, quase sem diálogo algum, mas que é espetacular: a briga entre John Nada e Frank (Keith David, de O Enigma do Outro Mundo, Eclipse Mortal e A Batalha de Riddick). É como se Roddy Piper revivesse seus tempos de wrestler. Até um suplex rola. Essa briga é longa e muito bem ensaiada e dirigida, sem música empolgante nem truques baratos para enfeitá-la. Não duvido que tenha sido filmada com um só take.
Eles Vivem não se esquece em nenhum momento de que é um filme B. A produção precária e os efeitos toscos predominam, mas sempre funcionando de forma extraordinária. É um filme que se sustente 100% em seu argumento - coisa rara hoje em dia - e é um corajoso desabafo de seu idealizador, que arriscou alto e perdeu muito, mas não se calou nem se curvou diantedas imposições da indústria nem teve medo de mexer com gente grande.
É por essas e outras que repito e reafirmo: John Crapenter é gênio.
Preciso corrigir um erro que persiste a tempo: Não assisti esse ainda 😲
Lucas, tenho certeza que você vai gostar. É um dos filmes mais ousados e corajosos que já vi. E é do Carpenter...
Esse com certeza é a obra definitiva do cara! mestre mil vezes mestre.
mestre mil vezes mestre. [2]