É estranho observar como muitos atos e formas de condutas executadas e praticas realizadas no Brasil são repetidas em outros cantos do mundo. A corrupção é uma delas. Não focando na corrupção em si, mas o abuso de poder é inegavelmente outro ato totalmente covarde desenvolvido em suma por funcionários públicos. Ora bolas, não é somente os funcionários públicos que são corruptos e abusam de poder, qualquer pessoal hoje com um certo "prestigio" vamos dizer assim se não possuir personalidade ilibada estará sujeita a essa conduta. Infelizmente, nós meros coadjuvantes da situação em alguns casos nos rendemos a certas requisições simplesmente por medo. Medo de sofrer uma represaria ou uma sanção que possa comprometer nossa vida judicialmente. "Obediência" é mais ou menos sobre isso é uma forma que a personagem Sandra interpretada por Ann Dowd e Becky vivida por Dreama Walker fazem, elas 'obedecem' por medo e aí que a trama se desenvolve. O filme é seco, não é pra qualquer um. Mas talvez o melhor adjetivo a ele seja desconforto...
O desconhecido Craig Zobel faz questão de deixar claro no inicio do longa que a história é baseada em um acontecimento real. Provavelmente talvez aquilo não tenha ocorrido de verdade, mas só de lermos a frase "baseado em fatos reais" por si só é uma forma de prender mais ainda o telespectador, pois além de ser um fato totalmente desagradável, a perspectiva que a situação possa ocorrer com um conhecido, amigo, familiar e até conosco mesmo já gera uma aflição de imediato. A sensação que se tem ao assistir a película é querer que o filme acabe logo, rápido, tamanha é a intensidade e o absurdo da situação. Além é claro da obra ser transvestida de uma sátira, crítica, um deboche aos costumes e comportamento da sociedade ocidental. Será que é tão difícil dizer não assim para uma autoridade? Ou talvez devemos estar tão acostumados assim com o tal do "jeitinho" que nem fazemos mais questão de nos importar? Claro que quem é honesto ao extremo e leva os 'bons costumes' ao pé da letra discordará de mim no ato, mas uma pergunta que acredito que todos fizeram ao assistir o filme é: O que iriamos fazer naquela situação?
Becky é uma jovem trabalhadora de um restaurante de fast food acusada de cometer um furto a uma cliente por um agente de autoridade que entra em contacto telefónico com a gerente Sandra (Ann Dowd). Este é o mote. A partir daqui tudo se desenrola numa sala em que as várias personagens são confrontadas com esta acusação e perante isto decidem ser cúmplices ou não dos acontecimentos seguintes. Pra piorar, no inicio do longa vemos a chefe em situação com um determinado fornecedor em que o mesmo puto da vida, da gravidade de uma circunstância ocorrida no dia anterior: um freezer é deixado com a porta aberta e o resultado final obviamente é um grande prejuízo, já que vários alimentos são 'perdidos' e o expediente será ainda mais apertado, pois, além de ser sexta-feira, dia que Sandra faz questão de frisar ser muito tumultuado, eles estarão com falta de dois ingredientes muito requisitados: bacon e picles. No final da fita, Sandra repete que essa conjuntura foi determinante na sua conduta exercida, pois sua mente não estava nitida e seus pensamentos foram comprometidos...
Poxa, mas ninguém questiona a circunstância? O primeiro a fazer isso é Kevin, vivido por Philip Ettinger, amigo e colega de trabalho de Becky, o rapaz se nega de principio a participar da situação absurda. Já Van noivo de Sandra, passa a ser um grande expoente negativamente dos acontecimentos e por fim, um fornecedor colega da galera também no final confirma a insensatez da condição que Becky se encontra. Dizem que algumas sessões nos States em que o longa foi exibido, altas galeras vazaram antes do término do filme e certos camaradas alegaram até tons de sadismo para a película de Craig Zobel. Acho que sadismo não seria a melhor forma de descrever o cenário, mas o fato é que diversos momentos o tom correto seria de impotência. Sem condições de atuar, de solucionar os impasses existentes. Assumindo a impotência vivida, os personagens deparam-se divididos entre desejo e medo, tampando a impotência com culpa, raiva, apreensão. Ficam imobilizados, movimentando-se através de dispersões que terminam por esvaziar-se.
A fita é dirigida de forma brilhante por Zobel que pega câmera e foca em pequenos detalhes que se mostram deleites por nossa perspectiva como focos em canudos, roupas e ponto de vista dos interpretes. Assumindo ora tons documentais ora narrativa linear é coordenado para que vivenciemos tudo o mais real possível. Outro aspecto importante é a ausência quase que por completo da trilha sonora, enfatizando ainda mais a gravidade e veracidade da narrativa. A trilha real e propriamente dita mesmo só se monstra presente já no encerramento do filme onde quase que já tínhamos nos esquecido dela, mas posteriormente é quase que imprescindível a sua realização, mesmo que delicada e quase imperceptível . Enquadramentos estreitos nos cenário fechados onde a trama se desenrola poderiam ter ficado sórdidos, mas a competência de Zobel não deixa que isso ocorra, embora acredito que a conjunção de claustrofobia era intenção confessa do diretor.
Outra certificação que acredito ter sido proposital foi uma escolha de elenco com nomes desconhecidos e rostos praticamente ocultos do grande público. Isso obviamente para angariar autenticidade e legitimidade ainda maior para a fita. O mais agradável é que nenhum ator ou atriz decepciona, o tom de naturalidade demonstrado por cada um só prova a qualidade e apreço por cada um do elenco. Sem aptidão e capacidade expressados por cada um, talvez o resultado final poderia ser comprometido em muito. Transparência e nitidez são encenados simultaneamente durante toda a projeção. A quem diga que a qualidade perde força com a chega de um corpo a voz, mas isso não é comprovado, pois a imagem de Pat Healy não poderia ser mais insana e psicopata...
Infelizmente por acaso do destino, "Obediência" passou totalmente despercebido no circuito nacional mesmo tendo sido premiado em Cannes no ano de 2012. O filme coloca ainda uma questão maior: e nós? Os que vemos como tudo se passa, desculpabilizamos as ações com base nas condições subjectivas de cada uma das personagens que violentam Becky, porque também elas manipuladas e violentadas ou entendemos que a circunstância não pode justificar determinados comportamentos? Qual a nossa hierarquização de valores? Sandra merece ser punida? Mais adiante é comprovado que vários casos similares deram lugar nos EUA... O fato é que a película é uma obra cruel, indigesta e desconfortável... Pra martelar a mente durante um bom tempo...
Tem muito filme bom passando despercebido por aí, ano após ano, como esse. Parabéns, Lucas.
Infelizmente isso acontece e muito caro Cristian, esse filme mesmo descobri por acaso, uma pena...