Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, roteiristas e diretores que trabalham nos grandes estúdios voltaram repentinamente os olhares para o Oriente Médio. O ataque terrorista gerou, compreensivelmente uma necessidade atávica de entender as razões históricas do ódio anti-americano existente naquele pedaço remoto do mundo. “Rede de Mentiras” (Body of Lies, EUA, 2008) é um thriller de espionagem que se alia essa corrente, mas tenta não mostrar muito compromisso em realizar uma reflexão político-ideológica de maior profundidade. Na verdade, Ridley Scott fez um filme de ação tradicional, usando a complexa situação da região como pano de fundo, uma fórmula extremamente eficiente...
Baseado no livro de David Ignatius, o roteiro de “Rede de Mentiras”, que foi escrito por William Monahan, fala sobre a questão do Oriente Médio, mais precisamente sobre a guerra contra o terror que está ali instalada. Todo este conflito está representado, no filme, através de três vértices: Ed Hoffman (Russell Crowe), o responsável pela Divisão dos Bálcãs da CIA; Roger Ferris (Leonardo DiCaprio), o agente mais talentoso de Hoffman; e Hani (Mark Strong), o maior dirigente do serviço secreto jordaniano, país que está envolvido em uma operação comandada por Ferris e Hoffman...
Sem acrescentar nada de novo ao gênero, Scott já inicia a projeção com o imenso lugar-comum do plano que simula uma imagem de satélite que, vista no telão numa sala da CIA, faz par com os créditos iniciais repletos de estática, chiados e todos os demais clichês que permeiam os “filmes de espionagem high-tech”. Neste sentido, até mesmo a (boa) fotografia de Alexander Witt se restringe ao básico: tons quentes para o Oriente Médio, frios para Washington e uma câmera inquieta que beira a convulsão nas sequências de ação. Já a montagem de Pietro Scalia curiosamente, se mostra bem mais contida do que poderíamos esperar, o que é um alívio bem-vindo, já que só faltavam os microplanos de milésimos de segundo de duração para que Ridley se convertesse de vez em seu irmão Tony. O que não seria uma boa coisa...
Monahan, que havia vencido o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por "Os Infiltrados" em 2006, aqui parece menos interessado na intrincada trama que deve desenvolver do que no conflito moral entre Ferris e Hoffman: se o primeiro consegue enxergar com clareza o lado humano da guerra que está travando, já que está em campo e é obrigado a testemunhar todo o sangue derramado, o segundo parece tratar tudo de maneira puramente cerebral, fria e pragmática. Aliás, é este seu distanciamento das vidas que em última analise, controla totalmente que faz de Hoffman um vilão tão frio quanto Al-Saleem algo que infelizmente, o filme parece não compreender, já que trata o sujeito com uma simpatia que jamais reserva ao líder muçulmano.
A atuação de Crowe é um dos destaques do filme. Gordo e sempre aparentando calma, ele acompanha a ação no Oriente Médio usando satélites e telefones celulares de última geração. Como veterano calejado, sabe o tom exato a utilizar em cada negociação, o que faz como se estivesse executando a mais prosaica das tarefas não raro suas ordens envolvem a vida e a morte de dezenas de pessoas e são dadas da arquibancada do campo de treinamento onde os filhos jogam bola inocentemente. Assim como Crowe, Mark Strong confere um ar ao mesmo tempo perigoso, sério, moralista e por vezes divertido ao seu personagem, o líder da Inteligência Jordânia, Hani Salaam. Por outro lado, fazendo uso de gestos e olhares que já usara em trabalhos anteriores, Leo DiCaprio surge como o mais fraco do trio, justamente por não atingir, de uma forma original, a complexidade e a transição pela qual seu personagem passa ao longo da projeção.
Como em todos seus filmes, Ridley Scott abusa de sua genialidade na parte técnica, mas talvez o maior ponto negativo do filme seja a trama secundária absolutamente clichê e dispensável, que envolve o relacionamento afetivo entre Roger e uma enfermeira jordaniana (Golshifteh Farahani, gostosíssima). Para que esta segunda história fosse crível, Monahan deveria ter tido mais tempo no primeiro ato, para desenvolver melhor os aspectos pessoais da vida do agente secreto. Sabemos que ele enfrenta um processo de divórcio (isto é dito em uma linha de diálogo e depois não é mais mencionado), e intuímos que talvez esteja se sentindo solitário. Mas a energia e o tempo que ele emprega nas tarefas profissionais acabam levando a crer que um homem como ele não teria chance ou disposição para se envolver emocionalmente com uma garota, especialmente com hábitos tão diferentes dos dele.
Roger, na verdade, é o herói-padrão dos filmes modernos de espionagem: um homem altruísta, que acredita no que faz, e tenta manter certo grau de moralidade, apesar de saber que está envolvido em mentiras demais para se manter eticamente limpo. Ele se comporta de acordo com o estereótipo dos agentes secretos. É auto-confiante em excesso, fala em linguagem cifrada, conta mentiras e ajuda a manter o quadro completo inacessível ao espectador. O contraponto entre os padrões éticos dele e os do personagem de Russell Crowe é interessante e rende alguns dos melhores diálogos do filme. Já as cenas de ação são quase todas burocráticas, com exceção de uma que acaba se mostrando o melhor momento do filme: a tática especial utilizada pelos terroristas para confundir os satélites que ajudam a CIA a acompanhar a ação dos espiões em tempo real.
Scott preferindo não ousar, mantém uma direção técnica que em nada acrescenta ou revoluciona o que já foi mostrado na arte cinematográfica. Somente um plano, o da van percorrendo o deserto chama atenção, embora o mesmo recurso já tenha sido utilizado diversas vezes por outros cineastas. Focando bastante nas diferenças culturais e nas falhas dentro dos objetivos da ocupação ocidental no Oriente Médio, o filme tinha muitas chances de conquistar o público e ser um grande sucesso, mesmo tratando de um tema já excessivamente explorado. Contudo, a recepção que o filme teve nos EUA não foi das melhores da carreira dos astros e o filme hoje é tido como fraco e esquecido pelo grande público, mas "Rede de Mentiras" deveria ser obrigatório, até mesmo para nos ajudar a compreender o nosso mundo e uma questão que parece ser vital para a humanidade. A ameaça terrorista existe e deve ser levada a sério, mas não deve ser nunca utilizada como instrumento de persuasão e medo.
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