É um saco, isso: toda vez que estou no boteco com a galera e me falam da trilogia GodFather, alguém tem que dizer que o terceiro é ruim ou até mesmo um lixo. Virou clichê isso. "O Poderoso Chefão - Parte III" não é um filme medíocre. Muito pelo contrário, o filme é fantástico com uma trama absurdamente corajosa que envolve um dos maiores podres da Igreja Católica: a morte mais do que suspeita de João XXIII João Paulo I. Mas de todo a forma, para o bem ou para o mal, a saga da família Corleone ou até mais importante; a saga de Michael Corleone não poderia ficar sem desfecho. Na verdade um desfecho trágico e comovente desta história de ascensão, poder, glória e decadência. Tudo está presente com força total neste “O Poderoso Chefão – Parte III”, as atuações de grande nível, a fotografia sombria, a trilha evocativa, a direção segura, a violência e o realismo. Trata-se, portanto, de um filho legitimo da saga dos mafiosos, injustamente retratado como inferior aos outros por muitos cinéfilos. Se não é um filme perfeito, seus pequenos problemas (leia-se apenas, Sofia Coppola), não são suficientes para tirar o brilhantismo deste capitulo final.
Muitos anos após ordenar a morte de seu irmão Fredo, Michael Corleone (Al Pacino) recebe um dos títulos mais importantes dados pela igreja católica, a Ordem de San Sebastian, após fazer uma doação de 100 milhões de dólares em nome da fundação Vito Corleone, comandada por sua filha Mary (Sofia Coppola). Durante a festa de celebração, ele recebe seu sobrinho Vicent (Andy Garcia), que conta com o apoio de Connie (Talia Shire) para trabalhar com o tio, ao invés de continuar com Joey Zasa (Joe Mantegna), o atual dono da área anteriormente comandada pelos Corleone. Enquanto isto, um arcebispo (Donal Donnelly) oferece para Michael o controle majoritário de uma importante empresa que pertence à Igreja por 600 milhões de dólares, valor que ajudaria a cobrir o déficit da igreja, mas esta oferta desperta a ira de vários integrantes do clero...
Pode se afirmar que o ritmo da narrativa é mais lento que dos filmes anteriores e olha que a duração de todas as fitas passam as três horas. Isso ocorre pois é necessário abordar, contar e explicar o destino de alguns fatos e personagens. Personagem mais importante? Tom Hagen. Dizem que Robert Duvall discutiu com os produtores por pedir um valor alto para retornar e os mesmos não quiseram pagar. Saída? Matar Tom Hagen, um fato que pode ter comprometido bastante e que provavelmente acrescentaria a narrativa. Esse e outros empecilhos são solucionados graças a montagem soberba de Lisa Fruchtman, Barry Malkin e Walter Murch. Os três mais uma vez fazem um trabalho fabuloso ao dosar as cenas mais lentas com as empolgantes sequencias que envolvem violência e muita tensão. E o mais curioso é que "Godfather - Part III" mantem a mesma estrutura narrativa dos dois filmes anteriores começando com uma festa, O Padrinho resolvendo as peleja em seu gabinete, a foto tradicional da família toda com Michael fazendo questão de incluir Vicent(assim como fez no 1º filme incluindo Kay) e uma opera no final, onde o pau quebra e tudo é resolvido e 'eliminado'... Outro fato curioso e que lá nos anos 70, com carta branca após o sucesso do 1º filme, Coppola exigiu que a próxima película tivesse "Parte II" no título. E agora 16 anos já sem o prestigio de outrora foi negado ao diretor que o filme se chamasse "A Morte de Michael Corleone"...
A fotografia do filme também é de níveis orgasmáticos. Gordon Willis adota um tom sépio assim como no 2º filme destacando um tom sombrio e de melancolia. Ainda que neste capítulo final estes tons sombrios apareçam com menor frequência. E aquela trilha sonora de fazer se mijar todo então? Nino Rota mais uma vez toca o barco ao lado de Carmine Coppola pai de Francis inserindo outras belas músicas, como a clássica ópera Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, na cena mais emblemática e emocionante do filme. Completando o fabuloso trabalho técnico, a direção de arte de Alex Tavoularis reflete a decadência da família Corleone através da casa abandonada no inicio, além de recriar com perfeição a Nova York do final dos anos 70, e os figurinos de Milena Canonero mantém o marcante visual dos gangsteres da trilogia.
Interpretado com competência por Andy Garcia, Vicent lembra bastante o seu pai Sonny, com seu temperamento explosivo. Em certo momento, ele diz algo que não deveria e Michael o aconselha a “nunca deixar alguém saber o que ele está pensando”, repetindo uma situação vivida no passado por Vito e Sonny. Será que isso foi proposital por parte do roteiro? Apesar do temperamento de Vicent, ele também mostra a inteligencia e tato que corre no seu sangue como por exemplo em conversa com Altobello onde convence o mafioso a trabalhar com ele, mostrando ser o único competente o bastante a tocar os negócios da família. Não podemos deixar de citar ainda Diane Keaton, que novamente se destaca vivendo a amargurada e sofrida Kay, principalmente durante a conversa que tem com Michael na Sicília, onde ela deixa evidente todos os conflitos de sentimentos da personagem, e Talia Shire, novamente em desempenho excepcional na pele de Connie, agora já conformada com os métodos do irmão e até mesmo incentivando o sobrinho a seguir o mesmo caminho.
Eli Wallach também está formidável e não vou nem citar Al Pacino pois a genialidade dele dispensa comentários. Vamos então finalmente a tão bombardeada filha do diretor; Sofia Coppola. Quando lembro dela nesse filme penso na hora em Ben Aflleck, pois os dois são péssimos atores mas demonstraram talento nato atrás das câmeras. Dizem que Wynona Rider iria assumir o papel de Mary Corleone e não sei por que cargas d'agua não quis. Com certeza ela daria mais dignidade ao papel, mas de qualquer forma seu personagem não compromete a trama. O filme concorreu a 7 estatuetas no Oscar de 1991 mas acabou por não levar nenhuma pra casa. As indicações foram para Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição/Montagem, Melhor Canção ("Promise me you'll remember"), Melhor Ator Coadjuvante (Andy Garcia), Melhor Diretor (Coppola) e Melhor Filme.
Chega ao fim o excepcional arco dramático de Michael Corleone, o filho protegido de Vito, que não seguiria os caminhos obscuros da família, mas que por amor ao pai acabou se envolvendo se transformando no chefe do grupo e destruindo tudo que amava para chegar ao poder. O filme é ruim cara pálida? Me prove então! A saga Godfather permanecerá no meu imaginário o resto da vida...
Apesar de Michael ser o principal objeto de estudo do Coppola( e consequentemente nosso) em sua trilogia o personagem que mais admiro ainda se encontra na persona do De Niro como o Don Corleone em sua jornada "empreendedora". Interessante observar que o agente fundamental para a criação de toda àquela história fora o Don Ciccio e sua tentativa de apagar o nome dos Andolini da história, que culminaria consequentemente na criação da família Corleone. A vingança é que move Vito num primeiro momento. É o que lhe dá força para agir, pensar, existir. Tal qual a funcionalidade de uma máquina. O ódio que emergia de sua postura calma e contemplativa veio da necessidade de entender seu inimigo, copiá-lo até certo ponto para por fim, superá-lo. Se o Don Ciccio não existisse os Andolini manteriam-se como camponeses ordinários na Sicília. E analogia, partindo desse ponto de vista, entre Michael e Vito se faz ainda mais evidente pela montagem do segundo filme. Ambos são moldados por traumas...
...Ambos solidificam-se por meio da perda. Ambos tiveram que se perder no deserto da Sicília para que pudessem visualizar na selva de concreto que é Nova York as oportunidades advindas de seu ramo de trabalho. A principal diferença entre ambos está na força motriz que indicava o porque de levar aquela vida. Vito viveu em prol da família. Montou seu império para sustentá-la e para que os filhos deste a sustentassem. Seu objetivo era a saúde da família por meio do sacrifício individual. Michael, por outro lado, acaba por tomar o negócio como seu mais importante ofício, esquecendo o porquê de sua existência, trocando sua família por seu ofício. É a aquisição do poder sem significado. Poder pelo poder. Fredo não foi fator moldador de sua personalidade. Foi consequência dela. Já Apollonia sim, fato decisivo na criação do monstro Michael.
Últimas duas linhas, exatamente isso. Tanto que Michael tem a frieza calculista de manter Fredo vivo enquanto a mãe também vive.
Caro Caio excelente analogia!
Michael talvez tenha sido corrompido pelo poder, mas no fundo zelava por sua família, o carinho que ele tinha pela Kay, apesar de no primeiro filme no final quando ele mente pra ela, e por seus filhos era bastante visível entretanto, Michael colocou "o poder" em primeiro lugar...