«O Último Dever» ficou na História do Cinema pelo seu argumento. Robert Towne (que pouco tempo depois escreveria o inigualável «Chinatown» - com o qual recebeu o Oscar de Melhor Argumento Original -, realizado por Roman Polanski, e também protagonizado por Jack Nicholson) foi controverso para a sua época pela quantidade de palavrões que incluiu nos diálogos das engraçadas e filosóficas personagens desta tragicomédia americana. E ficou guardado na memória dos cinéfilos por, apesar das queixas dos produtores, ter conseguido manter a sua escrita tal como estava, porque na sua opinião, é assim que as pessoas falam no ambiente e grupo apresentados no filme, na vida real. Com uma das mais eletrizantes e fascinantes interpretações de Nicholson, no papel do incontornável e trapaceiro Buddusky, «O Último Dever» foi realizado por Hal Ashby (especialista em grandes dramas disfarçados de comédia como este e também «Bem vindo Mr. Chance», com Peter Sellers e «Harold & Maude»), e relata as peripécias de dois homens da Marinha americana (Buddusky e Mulhall - interpretado por Otis Young) ao entrarem numa missão de escolta a um ex-marinheiro condenado a oito anos de cadeia, levando-o até ao estabelecimento prisional a que foi ordenado comparecer dentro de poucos dias. A causa da culpabilidade do jovem Meadows (Randy Quaid) é injustificável e completamente idiota, e ao longo da viagem, os três criarão laços de amizade fortes que os levarão a experiências e emoções que lhes marcarão para sempre. Porque o objetivo de Buddusky e Mulhau será dar ao miúdo o maior aproveitamento possível do tempo que lhe resta aproveitar antes de ter de ir para atrás das grades...
«O Último Dever» possui uma máscara dentro da máscara: enquanto vemos o trio divertir-se e passar um tempo agradável nas suas passeatas pelos vários locais que formam a sua viagem, vemos o lado mais humano e delicado a desfazer-se das suas almas, com intimidades a serem postas a nu e todo um sistema errado e corrupto a que eles não podem reagir nem contrariar. Nem o lado rebelde de Buddusky (e que faz alguns dos melhores momentos desta obra) impede que se exerçam as contrariedades e as injustiças da vida na pele daquele marinheiro tão novo, que com eles conseguirá perceber a dimensão da sua vida e a importância de manter sempre o espírito ativo e uma boa disposição, apesar de todas as adversidades. Com diálogos acutilantes e que ainda hoje deixam um arrepio na espinha (de tão bem escritos que estão), «O Último Dever» contrapõe os valores do condenado, que não sabe o que o futuro lhe reserva, com os dos dois marinheiros experientes, que levam a seriedade com uma leveza que, a princípio, será impressionante para Meadows, mas que a pouco e pouco ele vai perceber e sentir-se influenciado pela mesma. E por instantes, podemos pensar que Buddusky e Mulhall estão a ser um mau exemplo para ele, mas depois perceberemos que, no fundo, todas as personagens têm uma grande inocência, da qual não querem fugir e que, por outro lado, nunca lhes poderá escapar. Resta poderem divertir-se como quiserem e, qual "carpe diem" citadino, aproveitar todos os momentos de entretenimento que possam alegrar as suas tristes e miseráveis existências.
Buddusky e Mulhall tornam-se amigos de Meadows no meio da turbulência e da diversidade da América contemporânea, num filme que nos permite rir do drama e de certas situações aparentemente pouco risíveis, e que culminam num final forte e que transmite uma carga psicológica que, até então, não víramos tão nítida no filme. O desfecho de «O Último Dever» deixa no espectador um vazio incurável no estômago e na alma, pelo simples facto da simplicidade chocar, nos últimos minutos da fita, com a brutalidade invisível da realidade "real" da situação, e da tristeza que as histórias de vida destes três fabulosos protagonistas nos deixam na memória e no sentimento. Um filme provocador e cuja execução foi mesmo necessária (porque ajudou a mudar a mente conservadora de alguns setores do Cinema americano), «O Último Dever» não é um filme qualquer, que sendo simples no seu conteúdo, torna-se arrebatador pelo que não está explicitamente "lá", mas que está escrita nas intenções de Robert Towne e de Hal Ashby ao criarem este filme. É uma fita que sobreviveu bem ao tempo e que, apesar de uma ou outra cena menos fulgurante, capta o espectador com essas pequenas coisas que nunca deixarão de ser atuais, que são os valores do ser humano e a forma como lidamos com a nossa posição no Mundo. Uma pérola, tão memoravelmente reforçada por um excecional Jack Nicholson, que faz o grande poder deste filme, mais a genial escrita de Robert Towne. «O Último Dever» é um filme que vale mesmo a pena conhecer!
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário