A velhice em via de regra não traz ternura a pessoa, mas sim retira os freios desnudando a personalidade, libertando-a das regras impostas socialmente. Ela não potencializa qualidades e defeitos. Serão as vivências que irão influenciar seus atos nessa fase da vida. Serão as bagagens, os fantasmas… que a deixarão, mais amarga, mais ranzinza, mas autoritária… Ou pelo contrário, tornando-a mais sábia diante dos novos obstáculos, das novas limitações… mais amiga de tudo e de todos. Pois a velhice retira também o ser totalmente livre. É ter que aceitar depender de alguém em algum momento.
Em “Uma Dama em Paris” temos dois exemplos dessa polaridade. Uma já no auge da velhice e a outra entrando nela. Juntas passarão por alguns desafios. Um deles é o de se viver sobre o mesmo teto. E quem seriam elas?
Começando por apresentar Anne (Laine Mägi). De temperamento calmo, mas firme nas atitudes. Que com a morte da mãe, com os filhos morando longe, se vê sozinha. E para piorar, se vê diante de ter que revidar mais energicamente as investidas do cunhado quando bêbado. Assim aceita deixar a Estônia e ir cuidar de uma conterrânea que mora há décadas em Paris. Mais do que ter uma nova ocupação ir morar na capital francesa era a realização de um sonho de infância. Afinal, quem não gostaria de conhecer Paris, não é mesmo? Do outro lado temos Frida (Jeanne Moreau). Uma mulher rica. Que meio que se trancou em seu luxuoso apartamento, num ponto nobre de Paris. Arrogante, Frida não aceitou o fato de precisar de uma cuidadora. Com isso não facilita em nada a vida de Anne.
A cada tentativa de Anne para animar Frida, era como receber um balde de água fria. Fria, não! Gelada! Então ela ia espairecer em longos passeios pela cidade, tanto durante o dia como à noite aproveitando também a beleza da cidade luz. Se para Anne essas caminhadas serviam também de válvula de escape, para nós é um brinde a mais ver Paris pelo olhar dessa imigrante.
O clima pesou quando Anne na melhor das intenções programa um reencontro com velhos amigos. Mas acaba fazendo com que Frida reviva antigos fantasmas. Pedras rolaram. E aí? Bem, e aí ambas terão que decidir se atingiriam uma oitava maior na escala da vida, ou se continuariam levando a vida de antes. Sozinhas.
“Uma Dama em Paris” tem como pano de fundo a velhice. Num belo cartão postal que é Paris. Como também entre duas classes sociais distintas. Mas que traz em primeiro plano a solidão. Que pode pegar desprevenida mesmo aquele que sempre se doou. Como também há quem queira deixar esse ninho ciente que antes terá que retificar uma eterna gratidão. Por isso precisa partilhar com outra pessoa o fato de ir viver a sua vida. O peso de estar abandonando alguém o leva a querer alguém que o entenda. Mas seu – “Tome conta dela para mim!” -, não deve ser algo imposto. Ele é Stéphane (Patrick Pineau), que foi quem contratou Anne. O fez como última tentativa de cortar um cordão umbilical.
Será que os três irão realmente aceitar com leveza esse confronto com o destino?
“Uma Dama em Paris” é de se acompanhar atento e com brilho nos olhos a solidão que bate à porta com o passar dos anos. Numa história nada incomum. Mas com um certo charme. Regada a chá e croissant saído do forno da boulangerie da esquina. Enfim, um bom filme para um fim de tarde.
Por: Valéria Miguez (LELLA).
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