Há quem diga que Bande à part é uma pequena homenagem de Godard aos filmes de crimes estudantis, sabe aquele tipo de trama de estudantes entediados com a vida que levam, e querem aventurar-se e buscar coisas novas e acabam por encontrar refugio e diversão no mundo do crime. De certa forma até é mesmo isso, porém, eu vejo mais um romance bastante sensível, voltado para a relação de amizade, interesse e amor de três jovens, do que propriamente uma trama policial teen.
Este é o terceiro filme que vejo de Godard, o primeiro que vi foi “Acossado (1960)”, e o segundo “Je vous salue Marie (1985)”, Acossado foi a primeira obra dele e também fala de crimes, mais especificamente a trajetória de um criminoso. Mesmo tendo visto pouco da obra cinematográfica desse gênio francês, uma coisa eu posso afirmar, Godard possui uma característica forte em seus filmes: a câmera, avassaladora e minuciosa, que mais parece uma máquina fotográfica que registra e consegue criar beleza em tudo, até mesmo num céu cinzento e nebuloso com alguns galhos secos de árvore à vista.
Bom, vamos às apresentações do nosso trio de heróis (ou anti-heróis); temos um jovem galante, inteligente e que gosta de questionar a vida, seu nome é Franz, ele conhece Odile, uma jovem linda, embora bastante complexa, para quem apresenta seu amigo Arthur, também muito galante, o “malvadinho” e rebelde da turma. Os três planejavam juntos um roubo na casa onde Odile morava com sua tia, Madame Victoria, e um certo Sr. Stolz, dono da quantia tentadora de dinheiro. E para completar, temos um narrador em “off” que enriquece e embeleza a obra com suas indagações.
O que mais gostei de observar no filme foram os prenúncios dos acontecimentos intertextualizados com obras literárias (característica presente também em Acossado), como por exemplo, na aula de inglês, os flerts entre Odile e Arthur logo que se conheceram; a professora recitava Romeo e Julieta na sala, e as cenas eram intercaladas com os trechos românticos da obra: “O amor vai de encontro ao amor como estudantes aos seus livros, mas o amor se distancia do amor”, e nesse contratempo Odile e Arthur estão trocando bilhetes e a câmera vorazmente capta as trocas de olhares entre eles (lindo isso); Em seguida “Minha mente pressente algum acidente ainda oculto nas estrelas, iniciará amargamente seu curso temido” e Franz percebe cabisbaixo o flert entre o amigo e a garota. Com o desenrolar da trama, vocês entenderão porque esses trechos prenunciam certos acontecimentos.
Inicialmente quando Franz e Arthur estão no carro falando de Odile, temos a impressão de Franz estar apaixonado pela garota, porém, ele não faz nada quando o amigo Arthur se aproxima, e ambos, Arthur e Odile começam a ter um leve “affair”. Porém, posteriormente com os acontecimentos todos que decorrerão, vocês se surpreenderão com o final. Por isso afirmo ser uma trama voltada para sentimentos que mudam a toda hora, questionamentos sobre, por exemplo, se Arthur realmente amava Odile, ou se estava interessado nela justamente por ela ser a ponte entre eles e o dinheiro que pretendiam roubar na casa onde ela tinha total acesso. Assim como não entendemos os sentimentos dela por Franz e por Arthur, quem afinal ela preferia ou realmente amava, e por sua vez, os sentimentos de Franz por Odile e até mesmo por Arthur. Afinal o trio era inseparável.
Ainda para ressaltar a habilidade de Godard, temos uma obra composta por uma câmera lenta e sensível, os planos longos, os diálogos minuciosos e o show de “closer” fechados e abertos. E como a câmera é delicada em filmar os rostos dos nossos heróis e suas expressões, destaque para a cena em que flertam entre si na aula de inglês. Mas a cena de maior beleza e sensibilidade artística fica por conta da corrida pelo museu do Louvre, quando Franz propõe aos amigos a quebrarem juntos o record de um americano que percorreu todo o museu em pouco mais que 9 minutos. E por falar nela, alguém se lembra de uma cena parecida num filme mais recente? Bertolucci usou essa cena em sua obra prima “Os Sonhadores”, em que os três protagonistas Théo, Isabelle e Mathew também correm pelo Louvre com o intuito de quebrar o record justamente conquistado pelo trio de Bande à part. Bertolucci presta sua homenagem ao diretor Godard utilizando cenas tanto de Bande à part como de “Acossado” no filme “Os Sonhadores”, podem observar. Outra cena que não passa em branco é quando estão no bar juntos e o trio, entre si, pedem um minuto de silêncio e abruptamente e, é claro, propositalmente todo o som é cortado, não somente dos três protagonistas mas também de tudo e todos que estavam à volta deles. Também a cena que dançam ainda no bar e o narrador descreve sentimentos e sensações dos personagens, simplesmente fantástica.
A obra é espetacular, como já disse anteriormente, e além da câmera intransigente de Godard, destaque também para a fotografia: o cenário cinzento e o tom frígido que ele deu à bela Paris, o céu era sempre repleto de neblinas devido o frio constante (fotografia preta e branca sem brilho e fosca contribui muito para isso); o roteiro e as atuações, principalmente de Anna Karine (Odile) que pra mim é o destaque de performances, sem desprezar os rapazes também, que não deixam a desejar. Uma obra totalmente recomendável, Godard é com certeza, um excelente diretor.
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