Estoicismo: Escola filosófica criada por Zenão que prega a insensibilidade do homem frente a violência física e moral. Esse é um dos pilares básicos que constitui a obra-prima de Lars Von Trier.
Depois de mostrar ao mundo que não faz cinema apenas para entretenimento, com filmes como "Dançando no escuro" e "Ondas do destino", Trier ousa drásticamente e nos apresenta um longa simples em questões técnicas, mas que acerta em cheio no roteiro feito pelo próprio diretor.
Grace (Kidman) é uma bela jovem que está fugindo de gangsters de sua cidade, e é nessa fuga que ela acaba parando em uma pequena cidade chamada Dogville. De primeira Grace é aceita por Tom, um jovem escritor decidido a criar ideias filosoficas baseadas no preceito de que o ser humano deve aceitar o outro e ajudá-lo. A pequena vila, composta por no máximo quinze pessoas, de ínicio mostra-se incerta a aceitação de Grace em seu âmbito. Porém após serem convencidos por Tom os moradores aceitam Grace em Dogville mostrando-se até hospitaleiros de começo. Mas a situação muda quando os moradores da pequena vila começam a explorar a bela jovem, em sentido físico e moral.
Logo de ínicio os mais conservadores iram sentir um certo desconforto ao assistir o filme, que não tem cenários a não ser alguns móveis e um risco de giz no palco demarcando as casas e as ruas. Mas essa é uma das tentativas de Trier, fazer com o espectador, acostumado a estórias fáceis, comece a usar sua imaginação. Para isso foi necessário um esforço da parte dos atores em suas interpretações para que tais consigam prender a atenção das pessoas durante quase três horas de filme. E eles conseguem.
Grande parte do benemérito tambem vai para o diretor que aprovando a humiladade técnica do longa, nos entrega um roteiro forte e muito bem escrito. Para começar é necessária perceber a comparação de Dogville com o resto do mundo, acostumados a sempre conseguir a coisas fáceis e depois de usá-las começam a explorar o que antes tratavam com tanta preciosidade. Isso acontece com Grace, quando a mesma começa a ser praticamente - ou melhor, definitivamente! - escravizada pelos moradores. Resta salientar que a exploração não se dava apenas em trabalhos físicos, mas sexual e, por incrível que pareça, moral e psicológico.
Diante de tudo isso estava Grace, e todos moradores estavam cientes do que faziam com ela, mas preferiam esconder ou fingir que apenas a estavam protegendo, quando na verdade estavam a chantagiando. Afinal eles a estavam usando como um método de descarregar seus problemas ou apenas solucioná-los, de forma bem cruel diga-se de passagem.
"Lembra quando eu ensinei seus filhos sobre o estoicismo?" Diz Grace antes que uma das moradores quebre a única coisa que ela tinha, na sua frente, e ordenando-a que não derrame se quer uma lágrima. Os moradores sabiam o mal que faziam, mas diante de seus desejos eles cegavam-se apenas para realizá-los não importando a vontade de Grace. Não agimos assim muitas vezes em nossas vidas, ultrapassando os outros e seu sofrimento apenas para realizar nosso egocentrismo? Pois bem, esse longa é uma critica, muitos dizem aos EUA, mas vai além disso, ele critica todos nós e nossos sentimentos ruins, maus e egocêntricos.
Outro fato bem importanto é a questão da nossa recompensa diante de nossos atos, e isso é mostrado de forma bem realista ao final da obra (Prestem bem atenção ao cachorro e por que ele foi o único que não sofreu as consequências). O tom narrativo do filme confere ao longa um espirito literário, como se estivessemos lendo a um bom livro.
Enfim um ótimo filme, surpreendente! Obra-prima do cinema e até da sociologia.
P.S: "Dogville - O cachorro lambe seu próprio vômito pois é irracional, mas podemos o impedir se quisermos."
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