Quando comédias dramáticas são lançadas, sempre as vejo com desconfiança, pois, em 90% dos casos, os gêneros “brigam” entre si, deixando ou a comédia ou o drama em maior evidência. É o que acontece nos bons “A Banda” e “Estômago”, onde prevalece a abordagem mais dramática do enredo. Um dos grandes trunfos deste “Lições de Vida” (Driving Lessons, 2006) é a homogeneidade de seu roteiro, conseguindo colocar drama e comédia num mesmo plano. Os gêneros andam de mãos dadas, sem entrar em conflito, o que dá origem a um dos filmes mais notórios e perfeitos que já vi.
Ben Marshall (Rupert Grint) é um garoto londrino que, bastante tímido, tem uma família bastante religiosa e ultraconservadora. Apesar de seu pai ser padre, é a mãe, Laura Marshall (Laura Linney), quem o domina completamente, escondendo-lhe praticamente tudo da vida que considera “errada”. Nesse contexto, Laura cede abrigo a um homem, o Sr. Fincham (Jim Norton), segundo ela própria pela vontade de Deus, fazendo com que Ben seja obrigado a trabalhar, para ajudar a sustentar mais uma pessoa na casa. E esta é a chance de Ben conhecer o mundo que lhe foi ocultado durante tantos anos, pois ele vai trabalhar cuidando de Evie Walton (Julie Walters), uma excêntrica e veterana atriz de teatro e cinema.
Junto com a senhora, Ben passa a conhecer uma nova vida, aprendendo diariamente inúmeras lições com a “dama do teatro”. Aprende a desenvolver seu talento para a poesia, a dirigir (coisa que a mãe manipuladora insistia em ensinar, mas o resultado pode ser visto logo na engraçadíssima primeira cena do filme), a aproveitar os momentos bons da vida, sem medo do que posso acarretar. Mas Ben aprende, sobretudo, o valor da verdadeira amizade. Mesmo proibido, Ben acampa (com uma “forcinha” hilária da veterana atriz) e viaja com Evie para Edimburgo, onde acontecerá um recital do qual Evie participará. A presença de Ben faz-se tão necessária na vida da atriz que ela afirma que só conseguirá lembrar os poemas de Shakespeare que ele tanto ensaiaram com a presença dele. E esta é uma das cenas mais tristes do filme, que mostra o quão importante pode ser uma pessoa na vida de outra.
O filme, como já foi falado, conta com uma presença homogênea de dramaticidade e comicidade. O diretor e roteirista Jeremy Brock consegue levar-nos a boas gargalhadas, como na cena da “simulação de acampamento” de Ben e Evie, e a profundas lágrimas, como quando Evie “invade” a peça dirigida pela mãe de Ben, para salvar o garoto das garras da opressora. E tudo é feito com enorme simplicidade, sem a menor pretensão, o que torna a história bastante verossímil e leve. O filme em momento algum acha que é mais do que realmente é, o que lhe dá a cara de verdade. Jeremy tem total controle sobre seus atores, o que lhe dá, também, controle total sobre a trama. O drama é totalmente sem sentimentalismos extremos e melosos, completamente na medida certa; a comédia é leve e agradável, sem apelar pra qualquer tipo de conteúdo pesado. A trama ainda é imensamente ajudada pela sempre efetiva e correta trilha sonora, embalando sem qualquer exagero todos os momentos que se passam na tela.
O elenco é, sem dúvida, um ponto fortíssimo de “Lições de Vida”. O entrosamento entre Rupert Grint e Julie Walters é sensacional, ajudado pelo fato de este ser o quarto filme que fazem juntos (os outros foram “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, “Harry Potter e a Câmara Secreta” e “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”). Este entrosamento, aliado ao imenso carisma, faz o espectador ficar facilmente apaixonado pela dupla, torcendo para que a amizade deles sobreviva mesmo com a resistência da mãe. Individualmente, os dois também têm grande destaque. Rupert Grint dá um verdadeiro show de atuação como Ben, um dos personagens mais bem construídos que já vi em uma comédia dramática. Rupert prova que o diretor Jeremy Brock estava certo ao afirmar que sua escolha para protagonista deveu-se ao fato de o jovem ruivo ser muito pouco aproveitado na série Harry Potter (convenhamos, Rupert é muito melhor ator que seu companheiro Daniel Radcliffe, que protagoniza a série). As mudanças constantes de Ben em virtude do conhecimento da nova vida só são tão notáveis porque Rupert é o responsável por esta tarefa, muito complicada, por sinal. Julie Walters dá a sua Evie o tom certo de excentricidade, que passa por crises existenciais, atitides loucas (e engraçadíssimas) e amor ao seu verdadeiro amigo, Ben.
“Lições de Vida”, como já falei, é o melhor filme de comédia dramática que já vi. Ao longo de seus 95 minutos, somos conduzidos a inúmeros sentimentos, indo da pena de Ben à raiva de sua mãe conservadora. Mas isso tudo é feito de forma homogênea, sem a mínima oscilação negativa, dando ao filme um caráter linear positivo (melhora um pouco a cada minuto). O ritmo não cai em momento algum, e conduz a trama para um terceiro ato surpreendente e emocionante, capaz de arrancar ao mesmo tempo risos e lágrimas. “Lições de Vida”, com sua simplicidade, é uma verdadeira aula de cinema, uma aula de como se deve misturar corretamente dois estilos tão diferentes. Simplesmente perfeito!
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