Apesar dos "apesares", o filme da diretora Monique Goldenberg é uma sopa de gêneros e mostra muito além da Bahia do carnaval e dos moleques de rua.
Em uma história bastante conturbada pelos problemas sociais, 'Ó Paí, Ó' mostra o cotidiano derradeiro do baiano extrovertido Roque (Lázaro Ramos) e de sua forma de levar a vida. Como cenário para uma história cheia de contrastes, a cidade de Salvador, mais precisamente o Pelourinho, um dos mais importantes e procurados pontos turísticos da cidade também é palco de muita diversão, alegria, sentimentos e características comuns dos baianos. Mas não é de carnaval, folias de rua, personagens trabalhadores com um sotaque nordestino carregado, comidas típicas e tradições, ou seja, do que atrai os turistas, que Salvador é feita, e talvez esse seja um dos mais poderosos trunfos do filme: mostrar a realidade, nua e crua.
Filmes nacionais realistas (e de qualidade) é o que mais se vê agora, vide os ótimos 'Cidade de Deus' e 'Tropa de Elite'. 'Ó Paí, Ó', obviamente, não chega aos pés desses dois, mas também não faz feio ao retratar subtemas tão comuns, como o preconceito, a prostituição, a religião de maneira sagaz e prática. A falta de condições melhores de vida, a violência, a pobreza, tudo é devidamente retratado neste longa nacional, mas não poderia deixar de ter, a extravagância e o bom humor baiano, marca registrada de um povo tão alvo de preconceitos racistas, mas que nem por isso deixaram de lutar na vida. Um dos momentos que mais causou impacto foi a cena em que o personagem Roque desabafa aos berros, uma tirada racista vinda de Boca (Wagner Moura), quando ele usa de comparações para demonstrar a sua raiva interior, de ser julgado por sua cor de pele e de não poder TER os mesmos direitos que os brancos têm, apesar de ter, como o prórpio Roque disse, dois braços, duas pernas, dois olhos, uma boca, de precisar dos mesmos remédios que os brancos, de precisar da mesma comida, de ter o sangue jorrado para fora do corpo quando são atingidos por uma bala.
O filme também aproveita para criticar o comportamento dos baianos durante as épocas de carnaval, sempre sendo julgados como encarnações do demônio pelos homens e mulheres devotos à Cristo, como é o caso de Dona Joana (Luciana Souza), uma espécia de síndica de um cortiço bem na ladeira do Pelourinho, que obriga seus dois filhos a andarem com suas bíblias nas mãos.
'Ó Paí, Ó' não é só feito de realistas problemas sociais em meio ao carnaval baiano, é engraçado por mostrar e abusar dos costumes dos moradores de Salvador, os sotaques, os xingamentos, o modo de se comportar, o jeito de levar a vida, tudo é motivo de festa para eles e nem seus piores problemas são capazes de abalar esse bom humor.
Falando-se de um povo animado e autoastral, deve-se falar também do excelente elenco aqui reunido para interpretar essas figuras. Roque é Lázaro Ramos, o sempre extrovertido e radiante ator Lázaro Ramos é um dos melhores do elenco, que tem um grande dote artístico, ele canta e dá seus gritos, nunca exagerado, somente o seu jeito baiano de ser, natural de ser. O elenco é em sua grande parte baiano, mas a atriz Dira Paes, que só aparece no filme após algum tempo tem suas raízes no Pará e o seco e razoável Stênio Garcia é natural do Espírito Santo. Já o ator, um dos melhores e mais completos do Brasil, Wagner Moura é soterapolitano, e está como sempre, soberbo, engraçado e eficiente ao extremo, de longe o melhor do elenco. Ele e Lázaro Ramos juntos formam uma dupla pra lá de talentosa. Em relação ao restante do elenco, todos estão muito bem, Luciana Souza é um destaque dos coadjuvantes. Até mesmo aqueles que fazem uma ou duas pontas no filme dão conta do recado, até porque estão interpretando praticamente eles mesmos, mas mesmo assim não deixam de fazer um trabalho bem feito, por mais danificado pelo casual que seja.
Monique Gardenberg, apesar de dirigir apenas seu segundo filme, não faz feio, muito pelo contrário, é competente o bastante para misturar gêneros, que vão desde a comédia espalhafatosa até a tragédia em um dos minutos finais e mais emocionantes do filme. Monique já sabe como comandar um elenco com afinco, agora só falta apelar menos para alguns estereótipos e trabalhar com um pouco mais de independência, livrando-se de momentos musicais inadequados e mostrando mais do Brasil para o mundo. Mas seu roteiro, baseado na peça teatral de Márcio Meirelles também constroi personagens interessantes como a Psilene, que foi para a Europa e logo o espectador percebe com que objetivo, ou sonho. Indiretamente, o problema da personagem vivida por Dira Paes é justamente o modo como as mulheres são enganadas quando chegam ao exterior, mas mesmo assim, não querem trocar a vida de luxo e passeios de avião pelo tão pouco que a Bahia oferece, mesmo se tiver que se prostituir pelo resto da vida.
Gostar ou não de 'Ó Paí, Ó' é de cada um. Tem aqueles que se sentem atingidos em cheio pelos problemas de um roteiro cheio de falhas e passagens banais, outros pouco se importam com tentativas fracassadas de fazer algo melhor e o que só lhe interessam é o que está por trás, as intenções de mostrar a realidade em meio à música, ao modo como os baianos são obrigados a levar a vida, com o medo de sair de casa, as drogas. E consegue passar a sua mensagem e é isso que mais interessa, sem contar o que já é farto de se repetir sobre filmes brasileiros. Este não mostra apenas um lado da vida baiana, a Bahia das tradições e dos costumes, das comidas típicas e dos sotaques carregados, das belas e incríveis paisagens, mas também mostra a Bahia da dificuldade, do preconceito, da violência, das drogas, da prostituição e da pobreza, enfim, a Bahia dos baianos, a Bahia que nos acostumamos a conhecer.
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