Um dos problemas (ou, talvez, um dos charmes) da cinefilia é a comparação. Comparamos filmes, comparamos atuações, comparamos características técnicas, comparamos canções. Por conta do elevado grau de subjetividade, algumas dessas comparações são impossíveis de se fazer e até mesmo deveriam ser evitadas, mas ainda assim, insistimos em comparar. Enquanto isso nos ajuda a estruturar nossa memória lotada de filmes, nomes de atores, nomes de personagens, prêmios conquistados e prêmios injustamente perdidos, muitas vezes deixamos de apreciar pequenas pérolas, pois minimizamos uma obra nova contra as melhores de seu gênero ou subgênero. Nesse contexto, o cinema já criou vários Jogada de Rei (Life of a King, 2013) antes, e se o compararmos a outros trabalhos sobre discussão racial e injustiças sociais, o colocaríamos em segundo plano muito provavelmente, por questão de marketing.
Tendo ao seu favor a força de ser baseado em uma história real de superação, Jogada de Rei tende, naturalmente, a cair no campo do sentimentalismo, mas não são alguns dos grandes filmes – não só sobre o tema, mas sobre qualquer tema – excessivamente sentimentais? O tema “comunidade negra e violenta” continua atual como nunca, em tempos que ninguém consegue determinar se o racismo está aumentando ou diminuindo e cada um tem uma ideia própria sobre de quais animais derivamos. Aqui há uma bela exposição de um exemplo de como um esporte (esporte?) como o xadrez consegue mudar mentes, ou pelo menos tirá-las das coisas ruins do dia-a-dia, quase impossíveis de se escapar para quem vive nos guetos das grandes cidades. De fato, o xadrez como metáfora da vida real (“proteja o rei, proteja a sua vida”) é o ponto alto e a mais interessante das mensagens apresentadas. É uma história atraente para um “feel good movie”, mas não sem antes muitos acontecimentos ruins para com os personagens serem apresentados ao espectador.
Jogada de Rei tem vários gatilhos de discussão – racismo, esporte como agente de melhoria social, combate às drogas, relação familiar, escola pública, e por aí vai – e normalmente isso significa que nenhum deles é aprofundado, e ficamos à deriva em colagens de bons momentos isolados que não formam um todo poderoso. A mensagem está lá e é óbvia, e emociona e deveria servir de exemplo. Tudo apoiado por um elenco decente, com o irregular Cuba Gooding Jr. fazendo novamente um papel que ele conhece tão bem por ser recorrente em sua carreira – o de negro oprimido, aqui, pela inexorável violência ao seu redor. Sobre tudo isso, ao reconhecermos as limitações escancaradas do formato, tem-se um filme acima da média (novamente, as inevitáveis comparações). Não somos poupados de alguns momentos constrangedores, como a sub-trama do filho que sai da prisão e não aceita o retorno do pai, algo que poderia ter ficado de fora, por exemplo, mesmo que faça parte da história real que inspirou o filme.
Livre de comparações e por si só, Jogada de Rei é um trabalho competente do diretor inexperiente Jake Goldberger, que se utiliza de uma estética bem convencional e tenta, ao mesmo tempo, trazer um tom de realismo às imagens. Comparando com várias outras obras de mesmo teor (para citar apenas duas, Escritores da Liberdade ((Freedom Writers, 2007) e Mentes Perigosas (Dangerous Minds, 1995)), tende a ficar em um nível intermediário, mas ainda assim merece mais público do que provavelmente terá (nos Estados Unidos, faturou menos de US$ 10 mil nas bilheterias, o que é um desempenho abaixo do pífio). Em um mundo mais cínico do que nunca, estas obras baseadas em belas histórias reais continuam a tentar emocionar, e para muitas conseguem, de diferentes maneiras, mostrando que há um fio de esperança para um futuro bom.
Mais um \"feel good movie\", porém pouco badalado. Não despertou interesse em ser visto pela mesmice, porém gostei bastante da crítica, que fazia tempos que não via uma do Koball desde \"O Hobbit\".
Valeu Raphael, é pura falta de tempo mesmo. E Jogada de Rei vai ganhar seu público em vídeo e na televisão depois, é um bom filme, mas que no meio a tantos blockbusters tem poucas chances nas salas de cinema.