Mais do que tentar ser um novo Frankenstein, uma indecisão entre ficção e horror.
Surpreende que este Splice – A Nova Espécie tenha chegado aos cinemas nacionais, não seguindo o caminho mais óbvio de filmes ruins e menos comerciais que infestam nossas locadoras depois de insucessos no exterior. Pensado como filme grande, chega a brincar com o logo da Warner e demais empresas em sua abertura, tematizando-os, quando apenas produções carros-chefes se dão ao direito de tal. Só que Splice está longe de merecer algo assim. É curioso que representantes realmente bons do gênero ficção, como Lunar (Moon, 2009), fiquem praticamente desconhecidos por aí, enquanto porcarias como esta ganhem real destaque nas salas de cinema.
O filme conta a história de um casal de cientistas, Clive (Adrien Brody) e Elsa (Sarah Polley), que decidem levar a frente, sem a autorização de seus financiadores, uma pesquisa que se baseia na mistura de genes humanos com os de diversos animais, na tentativa de criar novas patentes farmacêuticas para a cura de doenças terminais, como o câncer e a AIDS. Só que o animal, visto primeiramente como uma experiência, acaba aos poucos atraindo a afeição dos doutores, preenchendo a lacuna que a falta de um filho deixara em suas vidas. Conforme envelhece, as dificuldades óbvias – e ignoradas – acabam vindo à tona, gerando os mais diversos problemas, tanto profissionais quanto pessoais, até a derradeira conclusão.
Apesar do início promissor na carreira, onde realizara o instigante e reflexivo Cubo (Cube, 1997), o diretor Vincenzo Natali nunca conseguiu se estabelecer de fato como um grande cineasta. Depois de participar de um dos segmentos do recente Paris, Te Amo (Paris, je t’aime, 2006), o diretor se aventurou mais uma vez no gênero ficção de horror com este Splice, que é uma releitura do clássico Frankenstein (idem, 1931), misturando-o com discussões importantes da genética atual, como a utilização da clonagem / criação de animais para salvar vidas humanas. Tema que, apesar de ainda não ter sido bem explorado pelo cinema, já foi utilizado até mesmo pelo explosivo descerebrado Michael Bay em seu A Ilha (The Island, 2005), de forma muito menos entediante.
Se Cubo soa genial em sua proposta, com seus pensamentos, dúvidas e diversas interpretações, o que parece realmente ter acontecido, com um estudo mais afundo na carreira do diretor, é que Vincenzo pode ter alcançado tal êxito ‘sem querer’, pelas limitações técnicas e financeiras que seu projeto encontrara na época, obrigando-o a buscar soluções criativas para a trama de Cubo – ou simplesmente não procurá-las. Já este Splice, sem as mesmas barreiras, demonstra ser muito mais óbvio, redondo, previsível e menor do que poderia ser, expondo uma limitação tanto técnica quanto criativa de seu realizador, quando este tinha real liberdade para trabalhar.
Pior do que isso é a execução da proposta, que nunca decide se será mesmo um filme de ficção ou se assume de vez o horror. Em sua maior parte, o que temos em tela é um trabalho ineficiente, que procura explorar a ciência, suas possibilidades e éticas, mas que aos poucos deixa de lado tais discussões, tornando-se um drama familiar com toques de suspense até que, nos minutos finais, descamba de vez para o terror banal – com direito a personagens secundários aparecendo do nada apenas para servirem de vítimas segundos depois. As conclusões são discutíveis e até mesmo as decisões mais óbvias podem ser questionadas, como a tentativa de encontrar uma ironia poética que poucos roteiros conseguem realmente alcançar.
Não dá para entender também como atores que explodem de uma hora para a outra, como Adrien Brody, premiado com o Oscar por sua participação em O Pianista (The Pianist, 2002), só se envolvam em porcarias com o passar dos anos. Ainda que tenha feito bons filmes, como A Vila (The Village, 2004) e King Kong (idem, 2005), o ator nunca mais emplacou um sucesso unânime de crítica e de público, desperdiçando seu talento com bombas como Predadores (Predators, 2010) ou este Splice. Já Sarah Polley faz parte de outro raciocínio digno de estudo: como mulheres lindas e boas atrizes como ela fiquem apenas em trabalhos medianos para ruins, sem apelo algum no mercado e sem nunca alcançar o sucesso que talvez merecessem.
Ainda que tecnicamente impecável (também, o que se esperar de uma aposta da Warner?), de ser musicalmente de extremo bom gosto e de criar um certo clima incômodo, não dá para levar este filme a sério por abandonar de lado todas as próprias propostas e discussões que levanta. Caminhando a passos entediantes, tudo vai ficando pior e constrangedor perto do fim, com cenas explícitas terríveis. Splice nada mais é do que um reflexo de sua própria criação: metade homem, metade animal; metade ficção, metade horror. Sem fazer bem nem um e nem outro.
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