Acredito que o projeto Sex and the City é daqueles que não guarda opiniões ponderadas: há a crítica festiva ou as opiniões duramente descontrutivas. E quanto menos se conhece o projeto, mais fácil considerá-lo descartável.
De fato, há todo um discurso da direita norte-americana escondida por baixo das saias esvoaçantes de Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) e isso nem chega a ser novidade. Desde 1998, quando o seriado estreou nos EUA, até hoje, muitas foram as teses acadêmicas escritas sobre as quatro amigas que moram em Nova York. Todo um novo modelo de consumismo feminista estava ali exposto e calcado na presença já consolidada da mulher no mercado de trabalho. E, apesar de pregar a liberdade e autonomia femininas, evidenciadas em atitudes desapegadas com relação a sexo e família, muito do que a figura de Carrie representa – seja de longe ou de perto – é a liberdade de consumir. Mas este não é um texto de crucificação.
Nos dois episódios cinematográficos de Sex and the City a ação segue a mesma linha narrativa de sua vida na televisão. A única coisa realmente ampliada é a esquizofrenia do luxo, cujo melhor exemplo são os figurinos assinados por Patricia Field para cada uma das personagens. E por falar em esquizofrenia, a personagem de Sarah Jessica Parker desempenha o papel que melhor expõe essa questão, seja através de suas roupas, seja através de uma psique bastante confusa, que combina anticonvencionalismo e conservadorismo na mesma figura.
Desta vez, os roteiristas usaram um baita casamento gay para falar de liberdades civis, e também para que Liza Minnelli protagonizasse uma versão de Single Ladies, hit da cantora Beyoncé, numa das cenas mais engraçadas e constrangedoras do filme. Logicamente, um casamento gay não seria apenas lugar para celebrar essa liberdade, mas toda a tal esquizofrenia do consumo e das interferências do universo pop mesmo no mais tradicional do eventos.
Neste começo leve e bastante engraçado, todos os personagens se reapresentam aos telespectadores que os conhecem de longa data, e Carrie, Samanta (Kim Cattrall), Miranda (Cynthia Nixon) e Charlotte (Kristin Davis) começam o desfile dos figurinos que as representam, e também impõem desejos de sapatos, bolsas e acessórios de cabeça à toda boa garota fashionista.
A partir daqui e à medida que o luxo de uma viagem ao Oriente se desenrola, a esquizofrenia do consumo aliada ao conservadorismo das nossas agora (quase) cinquentonas amigas novaiorquinas pode ser revelado a cada troca de roupa e a cada detalhe da viagem, que sugere com singeleza questões tão seriamente preconceituosas como os contrapontos quase infantis entre o Oriente como lugar de tradições massacrantes e os Estados Unidos como terra da liberdade.
Fora isso, luxo e cafonice se confundem, como sempre na série: a cena do karaokê, que apesar de piegas, não pareceria tão distante da realidade se a mensagem que a canção sobre ser mulher e superar obstáculos não estivesse tão distorcida ao longo do filme. Chega a ser engraçado notar que durante às quase duas horas e meia de filme as personagens protagonizem diálogos que demonstram um feminismo de butique, que culmina com uma mulher pedindo perdão ao marido com um beijo nas mãos e um anel caríssimo envolvido.
Entendemos que Carrie Bradshaw viva num mundo diferente do que a maioria de nós, e é über divertido vê-la deslizando roupas inimagináveis para situações cotidianas reais. O grande perigo nessa história toda é esquecer que ela é apenas um personagem que hoje já não condiz com a realidade política e econômica de seu país. Por isso mesmo, todo o discurso sobre colecionar Manolos Blahniks e ter uma coluna na Vogue América parece tão surreal que chega a ser divertido.
De saída, ainda é possível deixar um salve à Kim Cattral com sua impagável Samantha, sempre no timing certo que uma comédia como essa inspira.
boa critica