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Críticas

Cineplayers

Policial genérico é um dos exemplares da década de 1980.

6,0

Este thriller romântico está enterrado no meio de uma década amada e odiada por quem gosta de fato de cinema. Quase como no mundo da moda, muitas vezes o que uma vez é ridículo e odiado, em um posterior momento passa a ser venerado, ou pelo menos suportado. É assim com os anos 1980. Há filmes que melhor definem essa década, mas A Testemunha, de Peter Weir (antes de dirigir seu famoso Sociedade dos Poetas Mortos), pode também funcionar como uma síntese daqueles tempos que, para quem vivia neles, ainda parecem tão recentes. Mas as coisas mudaram muito, e cinema como tal não existe mais nos dias de hoje.

Apesar de aparentar ser mais uma adaptação de John Grisham para os cinemas, A Testemunha na realidade é um roteiro original, inclusive vencedor do Oscar e candidado a melhor filme e direção em 1986, o que certamente é um grande exagero se analisado friamente agora. Mas em um ano onde Entre Dois Amores venceu melhor filme e direção, parece natural um trabalho tão genérico quanto este aqui disputar oito estatuetas. Trata-se de um thriller sofisticado (por causa da direção e dos atores de primeira linha), que antes de sua metade vira um romance puro – o que é bem-vindo – e termina como um policial cujo clímax foi inspirado em Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann, um dos maiores faroestes de todos os tempos. Naquele filme, cabe ao xerife sozinho combater uma gangue perigosíssima somente com sua arma e sua esperteza. Aqui, cabe a John Book combater um grupo de policiais corruptos.

John Book é um tira (palavra perfeita para os anos 1980) que investiga um assassinato interno, de outro policial. A única testemunha é um tímido garoto Amish (grupo religioso da América do Norte extremamente conservador no uso da tecnologia, alheio ao mundo externo que o cerca), que estava na cidade grande a caminho de visitar um parente. Agora as vidas do garoto e de sua mãe correrão perigo, pois o caso envolve corrupção policial entre os chefões da corporação, pessoas sem piedade alguma e que farão de tudo para encontrar a família Amish e matar também John Book. Em fuga, Book acaba na vila Amish da mãe do garoto, e deverá se adaptar ao meio de vida dos aldeões, enquanto, claro, mantém uma paixão proibida com a mãe do garoto, filha de um dos mais conservadores e respeitados membros da comunidade.

O elemento mais forte presente no roteiro é a discussão violência versus pacifismo; John e a metrópole em que vive representam a violência, armas de fogo, sujeira; Rachel Lapp (Kelly McGillis, parceira de Tom Cruise em Top Gun - Ases Indomáveis), a mãe do garoto, representa a vida pacata, limpa, virgem. Em determinado momento, esses elementos se chocarão e colocarão todos os envolvidos em situações extremas. Tudo bem montadinho e bem escrito, e embora o filme não busque responder se o certo é ter uma arma em casa para se defender dos bandidos, o que pode coibir ou gerar mais violência, o tema é contundente e incita o espectador a pensar um pouco.

O problema (se é que é um problema, alguns chamarão isso de “charme”) é que a obra envelheceu demais, e o romance visto aqui pode ser encontrado hoje em qualquer telenovela. Há uma tentativa de cena de sexo – ou não, pois não fica claro se ambos fizeram amor devido à montagem desastrosa – envolvendo Rachel e John que faria muitos diretores hoje torcerem o nariz. E toda a ação policial é burocrática e cansativa, felizmente ocupando apenas alguns minutos do último ato. E felizmente também A Testemunha acerta ao deixar de lado a trama policial para priorizar o romance entre John e Rachel. Inicialmente, o roteiro previa que o filme fosse focado em Rachel, mas isso acabou sendo mudado.

Embora o filme conste na lista do AFI entre os 100 maiores romances do cinema americano, ele tem a cara e a profundidade do cinema dos anos 1980, um tanto entrecortado, superficial, óbvio, onde não há, de fato, elementos duradouros, e o triângulo amoroso evidente desde seu princípio (há um Amish enamorado de Rachel antes de John aparecer) jamais encontra razão de existir. A resolução do romance, porém, é deveras interessante e tocante, graças ao destino realista dado aos personagens. Outro acerto do roteiro é não apostar em um final surpresa do tipo “mocinho vira bandido”, o que seria extremamente óbvio e de mau gosto. Toda a trama policial é rápida e direta, embora às vezes talvez até demais (o parceiro de John é cruelmente ignorado pelo roteiro).

Apesar de ser genérico até o osso, de ter uma trama policial medíocre, aborrecida e superficial e um romance bonito mas sempre previsível, A Testemunha, como muitos filmes hoje idolatrados de sua década, é definitivamente uma obra divertida, pois é fácil de acompanhar, bem filmada (não especialmente, mas há qualidades na direção de Weir) e personagens interessantes (e, porque não, instrutiva? Já que aprende-se sobre a cultura Amish). Hoje não é visto como um dos clássicos daquela década (e não seria justo se assim fosse), mas é um passatempo razoável a quem se entedia com os thrillers recentes. Uma curiosidade rápida: este é o filme de estreia de Viggo Mortensen, embora ele não possua falas, aparece em um punhado de cenas, bem jovenzinho.

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