Karatê Kid - A Série
Os filmes de ação dos anos 80 são considerados mentirosos, rasos e simplórios pela grande maioria da crítica. E talvez sejam mesmo, mas sejamos sinceros: em termos de criação de lendas, dos mitos de gerações, não houve época melhor para o gênero. Quem vai ver um filme de Stallone ou Bruce Willis esperando filosofia kafkiana ou um drama shakespeariano? Quem vai a sua procura não quer nada além de diversão, boas cenas de ação e um sentimentalismo característico da época. Algo único e perdido no tempo. E isso a cinesérie Karatê Kid tem de sobra.
Karatê Kid – A Hora da Verdade (1984)
Uma dessas lendas é Daniel Larusso (Ralph Macchio), um jovem que se vê obrigado a se mudar para uma cidade distante quando sua mãe arruma um emprego novo e sofre com problemas de adaptação. Sua estadia piora quando Daniel se envolve com a ex-namorada de um campeão de karatê local, que passa a persegui-lo e agredi-lo com os demais amigos, todos provindos dos ‘Cobra Kai Dojo’ – que conta com um sensei que prega a posição anti-misericórdia de seus alunos.
Unidimensional, retrata os mocinhos e vilões de maneira caricata: não é a toa que o quimono de Daniel é branco, enquanto toda a gangue que vem o importunando veste preto. Mas a profundidade de Karatê Kid não está nos conflitos entre pessoas, e sim na sua demonstração da solidão. Solidão esta que faz Daniel, o peixinho fora d’água, se aproximar do carismático Sr. Miyagi (Pat Morita, em papel que lhe valeu uma indicação ao Oscar), o porteiro faz tudo viúvo do novo prédio que, percebendo a fragilidade do menino perante as covardias da gangue, se dispõe a lhe ensinar karatê para que este possa se defender em um torneio local, que promete dar uma trégua à perseguição ao rapaz. “Você aprende karatê para evitar lutar”.
Criando uma série de passagens clássicas, o diretor John G. Avildsen aproxima este Karatê Kid de sua obra máxima, Rocky, Um Lutador, ao contar uma história de pessoas movidas pelo esporte e motivadas pela superação, enfrentando as dificuldades do meio em que vivem para tentar chegar a um lugar melhor. Todo o treinamento ficou na memória de uma geração inteira, que contou com encerar carro, pintar cercas e casas, entrar em mar gelado, até chegar na famosa parte em que Daniel se equilibra em um toco de madeira fincado na areia da praia, treinando o golpe que lhe daria a glória na famosa ‘hora da verdade’.
Óbvio que não é perfeito: a simplicidade é acompanhada de certa cafonice da época, regada a teclado e bateria eletrônica e outras demais breguices. Os jovens polarizados hora comemoram atos ilícitos, noutra questionam os mandamentos do sensei – e isso em questão de segundos, sem a menor lógica na mudança de seus comportamentos. Algumas lutas parecem ensaiadas demais, plásticas e falsas, ainda que na grande maioria sejam convincentes. Os erros acabam diminuídos pela identificação com a situação: quem nunca gostou de uma pessoa no colégio ou tinha o marrentão implicante?
Mas esses detalhes não são nada que incomode os amantes desta mensagem positiva, para cima, bem filmada e, principalmente, que saiu na hora correta e foi vista pelas pessoas certas – quem não tem esse link com o passado pode achar Karatê Kid uma verdadeira perda de tempo americana. Não é tão bom quanto Rocky, Um Lutador, mas é moldado para a massa e criou uma onda de popularizar a procura por lutas marciais com direito a faixa azul na cabeça e tudo. Todos os moleques queriam ter um pouco de Daniel Larusso, justamente porque este tinha um pouco de cada um deles. Para os nostálgicos, será sempre uma obra-prima.
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Karatê Kid 2 – A Hora da Verdade Continua (1986)
Com o sucesso estrondoso e inesperado do primeiro longa, Hollywood já sabia bem o que fazer: uma seqüência. Continuando de onde o anterior parou, acompanhamos por exatos cinco minutos uma pequena recapitulação do primeiro episódio, culminando no estacionamento de onde houve o torneio, com Miyagi (Pat Morita) e Daniel (Ralph Macchio) sendo obrigados a confrontar o sensei do ‘Cobra Kai Dojo’, que maltrata os seus alunos, furioso com a derrota. Porém, esqueçam essa bobajada toda que acontece, pois o filme não tem nada a ver com isso.
Na verdade, a história é sobre uma viagem que Daniel faz ao Japão acompanhado de Miyagi, que precisa enfrentar uns fantasmas do passado agora que seu pai está doente e a beira da morte. É óbvio que nosso protagonista não terá mais namorada, deixando o caminho livre para novos romances, e que uma nova técnica de karatê será ensinada para que ele supere um desafio maior do que o anterior.
Estruturalmente, o filme é quase o mesmo: aproximação ainda maior entre nossos mocinhos, interesses românticos reapresentados, problemas na nova cidade com os marrentos locais... Só que aqui tudo está mais sombrio, real e perigoso. Há um desenvolvimento maior do personagem de Miyagi, pois sabemos de onde veio, quem o rodeava, suas motivações e suas dores, tudo contado de forma oriental e sentimental. E Daniel não está mais em um torneiozinho qualquer. Seus desafios são reais e podem machucar, até mesmo matar (sua mãe nem chega a aparecer).
A diferença básica está no tempo investido ao karatê. Enquanto no primeiro há realmente uma boa parte de sua duração dedicada ao treinamento, neste a nova (e vital) técnica é apresentada de forma relaxada e corrida demais, o que deixa dúvidas quanto ao sucesso de Daniel – algo bem perigoso para o filme como realização. Este tempo é utilizado mais para apresentar as belezas nipônicas, quase que de um modo Kurosawa pop sem samurais. Sobrou Japão e faltou karatê, pois o filme é basicamente isso, uma apresentação da cultura nipônica quase enciclopédica para os Estados Unidos (até porque todos os japoneses falam inglês, inclusive entre si).
Cometendo o mesmo erro do anterior ao estereotipar vilão e mocinho, a fita só é aceitável mesmo por causa do carisma de sua dupla de protagonistas, que carregam o filme nas costas e nos fazem quase esquecer todos os erros que os rodeiam na construção como cinema. Há muito mais conversa e frases de impacto na sabedoria de Miyagi do que combates em si que, quando finalmente acontecem, decepcionam pela má coreografia e velocidade com que se conclui. Daniel praticamente só apanha o tempo todo para que, sem treino nenhum, consiga vencer novamente “o melhor lutador do local”.
No fim, Karatê Kid 2 acrescentou muito mais a um personagem em específico (Senhor Miyagi) do que à mitologia da série, que tratada de forma um pouco mais realista, acabou perdendo parte do charme, ainda que tecnicamente continue impecável.
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Karatê Kid 3 – O Desafio Final (1989)
O terceiro filme da franquia saiu em 1989, apenas cinco anos após o original. Não dá para saber ao certo se este curto espaço de tempo contribuiu de forma significativa para o desgaste da série, que começou a funcionar em tom de auto-paródia e com um Daniel Larusso velho demais para um papel de garoto jovem e sonhador, o que talvez explique a primeira decepção em bilheteria que um trabalho com o nome Karatê Kid presenciou.
Ralph Macchio, já com 28 anos e mais gordinho, prejudica a continuidade da história, que segue exatamente quando Daniel e Sr. Miyagi (mais uma vez Pat Morita, excelente) voltam do Japão para Los Angeles. Ele não vai para a faculdade como todos pensavam, utilizando o dinheiro que ganhou na aposta (também do segundo filme) para abrir uma loja de bonsais com o Sr. Miyagi, em uma mensagem duvidosa sobre perspectiva de vida e estudos.
Porém, um dos grandes amigos de John Kreese (Martin Kove), o milionário dono de diversas atitudes ilícitas Terry Silver (Thomas Ian Griffith), decide se vingar de nossa dupla, contratando um jovem lutador violento para participar do torneio novamente com Daniel, que não está disposto a defender o título. Terry então bola um plano para que ele participe obrigado, mesmo contra a vontade do Sr. Miyagi, e confronte tudo o que aprendeu ao lado de seu sensei.
Só que essa revisitação à temática do primeiro filme, apesar de estar dentro de um contexto, é um pouco falha na execução: Daniel não parece ter mais idade para ficar batendo boca com o Sr. Miyagi, ao mesmo tempo que seria natural, uma hora ou outra, aquela relação ter algum conflito. John Kreese é vivido de forma extremamente caricata, do vilãozão tão mal, mas tão mal, que chega a conseguir certa empatia, mais ou menos como Gargamel fazia com os Smurfs; não oferecia perigo real e ainda divertia.
Há mais uma vez uma personagem feminina (pra variar, diferente): Jessica Andrews (Robyn Lively), que está de passagem pela residência da tia e fabrica alguns dos vasos de barro que interessa para a nova loja. Só que, ao contrário das duas primeiras, ela não é nem um interesse romântico para Daniel, já que deixa bem claro, no começo, que tem namorado e está em busca apenas de um amigo – ou seja, ela está lá apenas para que ele tenha uma companhia, já que, narrativamente falando, ela não tem função alguma.
Ao mesmo tempo em que John G. Avildsen comete estes erros primários, demonstra força justamente naquilo que sua filmografia não nos deixa mentir: algumas passagens são bem fotografadas, com um treino novamente destacado, tanto o bom quanto o ruim, e uma luta final emocionante, ainda que inferior às outras duas. O modo como os bonsais são retratados ajudam a nos apaixonarmos por eles, apesar de que não dá para entender muito bem seu valor ou como são tratados mais a fundo, considerando que este é um dos temas principais do longa.
Terminando com um esperado ‘The End’, assumia que a série já tinha cumprido o seu papel e que não necessitava ser revisitada. Só não previa que o Karatê Kid fosse se tornar uma menina, cinco anos depois.
Reclamação: na recente caixa negra com a trilogia lançada pela Columbia Pictures, inexplicavelmente o terceiro filme veio em versão Fullscreen, sendo que no verso diz que há as duas versões. Brincadeira, não é? Isso é passível de processo, ou estou enganado?
Karatê Kid 4 – A Nova Aventura (1994)
Fracasso tanto de público quanto de crítica, Karatê Kid 4 – A Nova Aventura quase nada tem a ver com a série, excetuando a presença do Sr. Miyagi, que agora deve ensinar a uma garota perdida na vida depois da morte dos pais a paz interior do karatê, além de ajudá-la com os tradicionais problemas recorrentes da série com valentões. Sim, nada de Daniel Larusso, e sabe-se lá porque este chama-se Karatê Kid, uma vez que temos uma garota como aprendiz. Enfim, coisas de Hollywood.
Basicamente um Karatê Kid regado à ‘Malhação’, tudo é mais raso, feio e desastrado que na trilogia anterior. Se John G. Avildsen conseguiu transformar uma história simples em algo interessante graças a certa poesia visual e um bom controle das lutas, o mesmo não pode ser dito de Christopher Cain e sua versão teen para a série. Praticamente não há combate, quase tudo é mais feio do que o padrão e até mesmo Miyagi e seus ensinamentos (e comédia) se rendem um pouco à banalidade.
Durante o treinamento, em que ele tenta ensinar do mesmo jeito que fez com Daniel, vê que não dá certo e recorre a outros meios, percebemos como o roteiro é sem sal, fraco como entretenimento. Não é possível sentir evolução em Julie Pierce (Hillary Swank), muito menos acreditar naquilo que estamos vendo quando sua capacidade é colocada à prova. Falando em Swank, se não fosse ela, este filme poderia ser um daqueles spin offs de séries esquecidas no tempo, mais ou menos como essas numerosas e inúteis versões que American Pie vem recebendo ultimamente.
Porém, como Swank ficou famosa, vencedora de Oscar e popular, esta fita será sempre lembrada como um dos primeiros trabalhos da atriz, ainda mais depois de sua participação maiúscula e premiada em outro filme de luta, Menina de Ouro. Assim como Daniel, Julie é um símbolo de sua geração, revoltada com o que a cerca, mas uma menina frágil, insegura e cheia de anseios. Cabe ao karatê ajudá-la a colocar as coisas no eixo, e é justamente aí que Miyagi entra.
Como todo filme da série, tem de haver um vilão, e este é tão unidimensional quanto todos que já cumpriram a função na série: o Coronel Dugan (Michael Ironside) e Ned (Michael Cavaliei) são pessoas detestáveis, que adoram serem os sacanas e, com uma posição privilegiada, abusam do poder para fazer absurdos que é difícil de acreditar que qualquer pessoa faria. E, claro, tem de haver também um interesse romântico, que se encontra em Eric (Chris Conrad), um amigo do colégio que não concorda com as coisas que Dugan e sua trupe fazem.
Há dois pólos que merecem ser citados: a escalação de atores e a canção tema. Enquanto a música se demonstra eficientíssima, bonita, terna, como a paz e a concentração que o karatê transmite, os atores são muito velhos, altos e fortes demais para representarem simples colegiais – dá para ver que eles estão completamente destoando da própria proposta e de Swank, mais jovem e magra, realmente parecendo uma colegial.
E se nem a história da série é respeitada na criação (Miyagi sai entrando no quarto de Julie, pede desculpas e diz que "morava com um menino", o que é verdade; porém, nos filmes anteriores, Miyagi não saía invadindo o quarto de Daniel - sempre batia na porta e esperava que ele autorizasse sua entrada), como esperar que acrescente algo à mitologia da série? A auto-paródia já engatinhava no terceiro, mas aqui remete ao máximo da ridicularidade, sem planos bonitos, sem lutas convincentes e muito tempo perdido em besteiras inúteis à história, como um baile ou então machões de um posto de gasolina à beira da estrada.
Depois deste episódio, tinha-se a certeza de que a série estaria esgotada, com os dias contados, restando apenas o que já havia sido feito e a nostalgia para contar história. Até Will Smith resolver refilmar o original, mas isto é papo para outra hora...
Quem é quem?
Daniel Larusso (Ralph Macchio): Jovem típico da época, com seus jeans apertados e de cintura alta e um Nike característico marrom. É o protagonista dos três primeiros filmes e a quem Miyagi ensina karatê e toda sua filosofia oriental para que ele se defenda dos obstáculos que a vida lhe impõe, pois parece um ímã para confusões.
John Kreese (Martin Kove): Sensei do Cobra Kai Dojo, prega erroneamente a seus alunos o ensinamento ‘sem misericórdia’, indo totalmente contra Miyagi e seu correto karatê. Não é a toa que, quando se enfrentam, acaba ridicularizado pelo nosso velhinho preferido. Volta a importunar no terceiro filme com sua sede cega de vingança, firmando-se como o grande vilão da série.
Johnny Lawrence (William Zabka): Loiro, forte, rico e melhor aluno do Cobra Dojo; arrogante e imbecil, características que tornam óbvia a preferência de Ali por Daniel, o que faz com que Johnny não aceite e passe a perseguir Daniel. O combate final entre os dois no final do primeiro filme é um dos grandes momentos de toda a série.
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Kumiko (Tamlyn Tomita): Com a viagem ao Japão, o segundo filme sentiu a necessidade de inserir também um novo romance para Daniel. Na verdade, tudo só aconteceu porque a sequência necessitava de uma certa dose de paixonite e nada melhor do que uma nativa para demonstrar os novos encantos encontrados pelo jovem, que havia sido abandonado pela namorada anterior.
Sato (Danny Kamekona): Outrora melhor amigo do Sr. Miyagi, este considera-se traído e decide, por sua honra, desafiar nosso nipônico preferido para um combate até a morte por causa de uma mulher. Este rancor move todo o segundo filme, mais poético, realista e menos teen que o primeiro. Um dos únicos personagens tridimensionais da série.
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