Símbolo da Velha Hollywood, cineasta era conhecido por sua habilidade de trabalhar em filmes de diversos gêneros e, quase sempre, de baixo orçamento.
Seu pai chamava-se Max Fleischer. Pioneiro da arte da animação no EUA, ele foi o responsável pela criação da célebre personagem Betty Boop e do marinheiro Popeye. Era compreensível, portanto, que a simples menção ao nome do maior rival Walt Disney à mesa de jantar dos Fleischers, fosse considerado um crime de lesa-pátria.
Mesmo assim, foi o próprio Disney que, lá por volta de 1953, telefonou para Richard Fleischer, filho de Max. A ligação tinha um objetivo: convidar o diretor para comandar a nova produção do estúdio, a adaptação cinematográfica do romance de Julio Verne, 20.000 Léguas Submarinas. A proposta era tentadora demais para ser recusada. Assim, com a benção paterna, Richard Fleischer, até então um cineasta conhecido eminentemente por filmes B, foi para trás das câmeras e comandou a direção daquela que se tornou uma das produções mais lucrativas dos estúdios Disney. A partir de então, Richard Fleischer passou a ser visto pela indústria como algo mais do que um mero diretor contratado.
Muito embora tenha nascido num ambiente eminentemente artístico, o sonho de Fleischer era ser psiquiatra. Ele chegou a cursar a Universidade de Brown enquanto que, ao mesmo tempo, participava de pequenas montagens de peças musicais.
O diretor costumava dizer que seus conhecimentos em psicologia o ajudaram a suportar as tensões nos sets de filmagens, em especial nos relacionamentos com atores que considerava temperamentais, como Rex Harrison, com quem trabalhou no musical O Fantástico Dr. Dollitle, retratado como um “sujeito petulante e brigão”.
Em sua autobiografia lançada em 1993, Fleischer confessava que um dos atores que mais teve dificuldade de dirigir foi Kirk Douglas, astro de seu Vikings – Os Conquistadores (The Vikings, 1958). O cineasta dava um desconto a Kirk por ele ser também o produtor da fita e, provavelmente, estar sendo alvo de enormes pressões. Por outro lado, Orson Welles, dirigido por Fleischer no drama de tribunal Estranha Compulsão (Compulsion, 1959), era uma pessoa ao mesmo tempo fácil e apavorante, já que sabia mais sobre direção do que qualquer um.
Um dos filmes mais elogiados de Fleischer – e também um de seus favoritos – era Rumo ao Inferno (The Narrow Margin, 1952), uma produção de baixo orçamento, rodada em apenas 13 dias, ambientada quase que unicamente dentro de um trem. O crítico de cinema Leonard Maltin, em seu famoso guia para cinema e vídeo, considera Rumo ao Inferno como um dos melhores filmes B já realizados. Em 1990, Peter Hyams dirigiu a refilmagem dessa fita, que recebeu no Brasil o título de De Frente Para o Perigo, e teve Gene Hackman e Anne Archer nos papéis principais.
Outro motivo que deixava Fleischer com um sorriso nos lábios, era seu trio de adaptações de crimes reais para o cinema: o primeiro foi o já citado Estranha Compulsão, sobre o assassinato de uma criança pelo casal homossexual Leopold e Loeb, na Chicago dos anos 20 (a mesma história serviu de premissa, anos antes, para o suspense Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock). Nos papéis principais, Orson Welles, Dean Stockwell e Bradford Dillman dividiram o prêmio de melhor interpretação masculina no Festival de Cannes daquele ano. O segundo era O Homem que Odiava as Mulheres (The Boston Strangler, 1968), sobre o estrangulador Albert DeSalvo, personificado por Tony Curtis, talvez na sua melhor interpretação para o cinema. E o terceiro, O Estrangulador de Rillington Place (10 Rillington Place, 1971), sobre um assassinato que mexeu com a Inglaterra nos anos 40.
Richard Fleischer chegou a ganhar um Oscar. Foi em 1947, pelo documentário do pós-guerra Design for Death. Fleischer foi o produtor da fita. Ele tinha apenas 31 anos.
Da filmografia de Fleischer devem ser destacadas outras obras igualmente importantes, nem todas especialmente de qualidade: Barrabás (1961); Viagem Fantástica (1966 – refilmado anos depois, como Viagem Insólita); Tora! Tora! Tora! (1970 – versão bilateral do ataque à Base Aérea de Pearl Harbour); Os Novos Centuriões (1972 – uma das melhores interpretações de George C. Scott); e Conan, o Destruidor (1984).
Hábil para lidar com produções de orçamentos apertados e sabendo transitar com facilidade por diversos gêneros, Richard Fleischer é um nome que sempre precisa ser lembrado pelos amantes do cinema.