''Um elenco soberbo, um texto afiado e um olhar satírico de seu diretor. Tudo isso em um apartamento, com mínimos e bem aproveitados 80 minutos.''
Dois amigos de escola, Ethan (Eliot Berger) e Zachary (Elvis Polanski), brigam em um playground, pois Ethan queria fazer parte da gangue de Zachary, que não lhe permite entrar. Irritado, Zachary bate em Ethan com um taco, ato que acaba quebrando dois dentes incisivos superiores de Ethan. A briga faz com que ambos pais dos dois garotos se encontrem para tentarem resolver a situação. É então que Nancy (Kate Winslet) e Alan Cowan (Christoph Waltz) resolvem ir à casa de Penelope (Jodie Foester) e Michael Longstreet (John C. Reilly), para conversar sobre o fato ocorrido e resolver tudo da melhor e mais ''civilizada'' forma possível. Más após um início de conversa cordial, o clima na casa vai se tornando um pouco mais pesado entre os 4, devido a muitas insinuações, apenas como intuito de denegrir a imagem de outrem. Penelope exige que Zachary peça desculpas a Ethan, más Nancy alega que como ela e Alan pagarão o ''prejuízo'', isso não precisa ser feito. Logo os nervos se exaltam, pois o conflito de ideias fica claro naquela sala. A hipocrisia rapidamente começa a reinar na casa dos Longstreet, e Polanski nos sufoca jogando em meio a uma corriqueira discussão, que está longe de ser banal. Os diálogos são sempre inteligentes, rápidos, quase não há cortes, tudo muito bem feito pelo diretor. O que começa como uma simples conversa sobre quando Zachary irá pedir desculpas a Ethan, torna-se um debate incisivo sobre questões como casamento, homofobia e misoginia.
Michael e Nancy, mesmo que de lados opostos do problema, no início mantém suas posições de uma forma condescendente, para tentar resolver a situação mais civilizadamente (a condescendência de Michael chega a soar patética algumas vezes). Enquanto Penelope fala de uma maneira mais forte e questionadora. E Alan, bom, Alan não está nem um pouco preocupado com o assunto, e sim com o seu celular que a cada 5 minutos toca irritando profundamente todos na sala. Porém, ao decorrer da conversa todos vão tomando posições diferentes, mudando assim totalmente o intuito do debate inicial, que começa a tomar um rumo mais tumultuado, pois o conflito de ideias começa a ficar claro para todos que ali estão. A falsidade fica estampada na cara de todos, após a já antológica cena do vômito de Nancy (cena realmente muito bem realizada), em que os casais ficam em cômodos diferentes no apartamento, e podem enfim, falar o que realmente sentem um sobre o outro, sem pudor algum. Nessa cena do vômito aliás, fica claro uma crítica de Polanski (dentre várias que as vezes passam despercebidas pelo público) as convenções sociais cheias de hipocrisia. Na cena, a personagem de Kate vomita muito antes de seus dejetos estomacais saírem de seu corpo. Ela já vomitava antes, quando falava abertamente sobre tudo o que sentia sobre sua relação fria com seu marido. O jogo de olhares e a câmera de Polanski também são coisas à serem destacadas. Um simples pedido de desculpas, seguido de um olhar de desprezo, um close que praticamente critíca a ação de um personagem, o machismo escondido sob uma ''falsa condescendência'', o falso moralismo estampado na cara da burguesia .. Isso é Polanski.
O ponto mais interessante do filme é quando, em vez de permanecerem em suas posições (casal x casal, como se inicia obviamente), muda-se a dupla, torna-se homens x mulheres. Alan e Michael argumentam de uma forma mais machista contra Penelope e Nancy, ridicularizando-as em várias questões. Os 4 fazem um debate aberto e chulo, sobre temas variados, toda a discussão é regada a muito sarcasmo em quase todas as frases. E tudo isso após Michael abrir uma garrafa de whisky, e ambas esposas ficarem totalmente bêbadas. Uma das cenas mais engraçadas sem dúvida alguma, é quando Nancy mergulha o celular de seu marido na água, estragando-o. Ela e Penelope tem uma crise de riso enquanto Michael tenta arrumar o aparelho e ao mesmo tempo consolar Alan, que, triste, parece ter perdido um ente querido (uma crítica de Polanski ao uso exagerado de tecnologia pode ser visualizada aqui explicitamente). O que contribui para a absoluta atenção do espectador para com o filme, é o clima claustrofóbico de uma discussão que parece não sair do lugar (literalmente), enquanto seus participantes lançam verdades uns contra os outros, numa tentativa de ridicularizar a imagem de outrem. Tudo ali é falso, os sorrisos, as desculpas, o respeito e principalmente o moralismo. Ninguém se importa verdadeiramente com ninguém, eles querem o melhor para si, e após verem que não conseguem de uma forma civilizada, se atacam quase que como animais, da maneira mais baixa possível, numa espécie de burguesia selvagem.
Michael é um homem podre. Enquanto sua aparência e educação denotam que ele é um homem comum e civilizado, suas atitudes a partir do 1º ato mostram o quão hipócrita e machista ele é. Já numa tentativa desesperada de se rebelar contra sua esposa (que parece ser o ''macho'' da relação), ele passa a apoiar Alan, mesmo sabendo dos malefícios que ele causou indiretamente a sua mãe. John C. Reilly está muito bem, mesmo que ofuscado pelas ''estrelas''. Já Alan, é a personificação perfeita do homem moderno. Frio, direto e sempre com o celular tocando, ele é persona comum do ''homem de negócios americano''. Pouco se importa com a situação em que seu filho está envolvido, pois está fechando um grande negócio (o mesmo trabalha no meio farmacêutico), e dá mais atenção ao seu assistente do que a sua esposa, e obviamente menos ainda a Michael e Penelope. A discussão está acalorada ? ele não hesita em atender o celular no meio dela. Um clima de tensão já parece estar presente naquele apartamento ? ele prefere não ir embora, pois está com fome. Sua esposa vomita ? ele ri incessantemente. Waltz compõe com maestria um homem repugnante, rico também em defeitos. Kate Winslet interpreta Nancy, uma mulher educada e que parece querer resolver a situação da melhor maneira possível, más logo mostra-se não tão benevolente assim. Logo percebemos que sua angústia na relação com seu marido a atrapalha de diversas formas. Relação essa, onde parece não existir mais amor, apenas cordialidade. Uma atuação também excelente. Foster tinha o papel de interpretar a mais ''forte'' das personagens, Penelope. E a fez com excelência. Ela é a politicamente correta ao extremo, que não vê espaço para injustiças e não tolera atos imorais. Sua personagem é a mais sagaz, numa posição em que demonstra firmeza e entendimento sobre o que fala. Foster reina sempre que divide a tela com quaisquer atores, mesmo Waltz, sempre engraçadíssimo em cena. Outra atuação excelente.
Quem diria que mesmo fora dos EUA (ainda sob proibição de pisar em solo americano), Polanski criticaria de maneira tão inteligente e engraçada toda forma de falso moralismo barato e hipocrisia existentes em tais ambientes (isso não só nos EUA obviamente, más o alvo principal é esse, claro). Ele transpõe uma belíssima peça de uma maneira que não pode ser rotulada como ''teatro filmado''. Aqui o que se vê é uma transposição de uma peça para o cinema, e muito bem feita aliás. Se não fosse a direção de Polanski seria sim teatro filmado, más ele estava por trás das câmeras, então é muito mais do que isso. Sua câmera passeia pelo apartamento durante 80 minutos, sempre nos presenteando com a ''cara'' do verdadeiro sentimento dos personagens. O final mesmo que bonito, nos causa uma sensação da falta de um clímax totalmente adequado. Isso sem dúvida atrapalha o resultado final, más como vamos exigir um clímax quando estamos falando da vida real ?. Um pequeno grande filme, com um elenco soberbo em tela e uma mensagem com toques satíricos e muito críticos de seu diretor, más que ainda pode ser vista nas entrelinhas como algo muito pertinente e atual.
''Os adultos por vezes colocam tantas máscaras ao longo da vida que fica difícil achar sua própria personalidade quando precisam resolver um conflito. Eles apelam para a hipocrisia ao invés de um debate verdadeiro, com medo do que isso possa lhes causar. Ás vezes a melhor forma de se resolver um problema é agir feito uma criança. De maneira bruta, impensada, más sincera e honestamente.''
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