A utilização de substancias ilícitas e toxicas é um caminho complicado e perigoso, isso já é clichê de se falar, mas aconselhar alguém a usar ou não drogas, na duvida é melhor nem experimentar. Os efeitos dos entorpecentes no inicio são tão prazerosos que as poucos a pessoa vai deixando de fazer suas atividades cotidianas para se dedicar somente ao vicio, mas o relacionamento com as drogas que nesse começo se mostra um namoro de adolescente, ao poucos vai se tornando uma união melancólica pois já não existe mais prazer, somente a fissura do organismo em tentar sentir aquelas sensações novamente. Somente isso que resta, mas atingir aquele ápice já não é tão fácil, pois o corpo já se acostumou com aquelas substancias e a dose precisa ser aumentada o que vai se retomando num ciclo cada vez mais arriscado, pois uma overdose fica eminente. O maior acerto do diretor Danny Boyle ao dirigir "Trainspotting" é não apontar falsos moralismos e apresentar a fita sob a ótica dos viciados...
Baseado em livro homônimo de Irvine Welsh, o roteiro de John Hodge narra a história sob a perspectiva de Mark Renton, um jovem escocês que, para escapar da vida entediante e frustrante de sua cidade, se entrega ao uso da heroína ao lado dos amigos Spud, Lizzy, Sick Boy e Tommy. Entre pesadas sessões e idas aos bares, o grupo se mete em diversas confusões, ainda mais quando o estourado Begbie está por perto. Só que a chegada da garota Diane a vida do protagonista, fará com que Renton pense em seguir novos caminhos. Desde seu primeiro trabalho "Cova Rasa" de 1994 até seu ultimo "Em Transe"(2013), Boyle sempre carimbou sua marca registrada na direção, que se baseia num visual e ritmo insano de narrativa, empregando constantemente a aceleração da imagem num arranjo histriônico que imprime claramente seu estilo inquieto e exagerado de dirigir. Esse quesito do inglês é uma faca de dois gumes, pois ao mesmo tempo que hipnotiza em certos casos, desagrada bastante quando executado de forma maçante ao estilo frequente do diretor.
A montagem do asiático Masahiro Hirakubo é rápida e confusa. Com cortes secos e frenéticos, somos arrastados de ambientes para outros em questões de segundos e isso quebra bastante a agilidade do ritmo deixando fatigante o enredo decorrido e as legendadas colocadas a todo instante prejudicam ainda mais o resultado final. A fotografia é no mínimo curiosa, comprimindo os locais sujos que a turma se reúne, ilustrando a degradação do corpo e espirito dos jovens e Boyle só exibe clores claras nos apartamentos e os prédios limpos em Londres. Evidenciando a putrefação da áurea do grupo, os figurinos de Rachel Fleming auxiliam em nossa imersão naquele ambiente ao utilizar roupas bem joviais como calças jeans e camisetas básicas. O melhor quesito técnico é a trilha sonora, composta em suma maioria com versões clássicas do rock britânico, como exemplo Iggy Pop, sobra espaço conjuntamente para um pouco de techno e eletro music o que condiz bem no que é proposto e exibido na tela.
Tentando de forma jovial e mais simples possível expressar a fabrica de loucuras que é a cabeça de um viciado em drogas, em especial obviamente a heroína, John Hodge e Danny Boyle imprimem uma narrativa em off por parte de Renton. Um desacerto ao meu ver, já que o filme sem esse artificio provavelmente ficaria mais instigante, pois seriamos obrigados a imaginar os sentimentos do protagonista. Sobre o personagem, Renton oscila extremamente sua nuance entre momentos de euforia e tristeza. McGregor, que pra mim nunca foi um exímio ator, aqui desempenha um papel somente razoável e do restante do elenco somente quem se destaca é o excelente Robert Carlyle na pele do alucinado Begbie que permeia o grupo todo nas mais diversas confusões, falcatruas e desalinhos. O olhar psicopata de Begbie assusta e temos aqui a melhor atuação do longa do sempre competente Carlyle. Já o restante do elenco não fede nem cheira. Pauline Lynch, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller, Kevin McKidd, Peter Mullan e Kelly Macdonald entregam apenas trabalhos razoáveis, principalmente a galeria fissurada no herói que provavelmente emagreceram vários quilos para que suas aparências ficassem mais convincentes.
Falando na heroína, essa personagem desempenha as melhores sequencias do longa, já que a mesma provoca alucinações para David Lynch nenhum botar defeito. Como a viagem de Renton pelo banheiro, que é capaz de revirar qualquer estômago, assim como o café da manhã escatológico de Spud. Entretanto, estes momentos de humor negro abrem espaço para a tragédia na chocante morte do bebê de Lizzy, que ilustra perfeitamente os problemas que o vício pode trazer, chegando a provocar náuseas quando o grupo não encontra outra saída para aliviar a dor que não seja usar mais uma vez a heroína. O mérito maior do roteiro de John Hodge, indicado ao Oscar em 1997 na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, é não condenar nem glorificar as drogas, mas sim somente expor os fatos que ocorrem com quem adquiri essa hermosa. O mais curioso é que o grupinho das sessões não tem ninguém agradável, somente camaradas egoístas e desagradáveis. As condições de cada um vai provocando o distanciamento de todos eles perante a sociedade, suas condições são entendidas somente entre eles.
Com atuações medianas, direção confusa e uma narração em off medíocre o filme se salva realmente pelo criativo roteiro. Provoca certas reflexões como exemplo o já citado destino do bebe de uma das meninas, mas fica nisso mesmo. Até hoje, a maioria dos filmes que expõem os tóxicos não conseguiram expor a vida de um viciado com total veracidade. Entre mortos e feridos, o filme não consegue demonstrar por completo a urgência e ansiedade pela próxima "viagem", que segundo depoimentos de próprios usuários, a "onda" da heroína é melhor que um orgasmo. De toda forma, ainda fico com "Requiem para um Sonho", esse sim obra-prima. Conjuntamente, o discurso inicial de Renton é brilhante: “Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família. Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadora, carro, CD Player e abridor de latas elétrico. Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário. Escolha viver. Mas por que eu iria querer isso? Escolhi não viver. Escolhi outra coisa. Os motivos? Não há motivos. Quem precisa de motivos quando se tem heroína?”...
Filme de doido!!!! Mas muito bom!