Quando o projeto de 'A Rede Social' foi anunciado pela primeira vez todos resumiram o filme como "a história por trás do Facebook" e é provável que tal alcunha continue com grande espaço na mídia e no boca a boca dos que assistirem ao longa. Mas a produção é muito mais do que isso, vai muito além dos bastidores do surgimento da rede social mais famosa do mundo. A história do Facebook propõe uma bela ficção, ainda mais quando contada pelas mãos mais que competentes de David Fincher, aclamado diretor de clássicos modernos como “Clube da Luta” e “S7ven”. Sendo primeiramente visto como um projeto inusitado, o filme é hipnotizante do começo ao fim e traça passo a passo a velada guerra daqueles que um dia foram parceiros de negócios, e também amigos.
Mark Zuckerberg, criador do Facebook, mais novo bilionário da história e potencialmente um Bill Gates desta geração, é esmiuçado com um olhar clínico, que por vezes vangloria sua inteligência e sagacidade, assim como expõe todos seus defeitos claramente perceptíveis. Conclusivo e preciso como uma máquina, o jovem prodígio agia como uma, controlando seus sentimentos, seus amigos e trabalhos de forma assustadoramente fria e calculista. Em um mundo que se rendeu a era digital, Zuckerberg era rei e o Facebook seu reinado, um reinado que de tão importante se tornou maior do que ele ou qualquer outro que atravessasse seu caminho.
Se recuperando daquele que ao lado de "O Quarto do Pânico" e "Ali3N" talvez seja seu filme menos interessante, "O Curioso Caso de Benjamin Button , David Fincher volta a realizar um trabalho primoroso. "A Rede Social" é na verdade, um filme sobre a complexidade do ser humano sobre como este pode ser ao mesmo tempo inocente, calculista, indiferente e apaixonado. Sobre como a vida de uma pessoa pode cair em um caminho errado por mais que profissionalmente apareça como um Rei Midas, em que tudo o que toca se transforma em ouro.
A trilha sonora executada como extensão do conturbado fluxo de consciência de Zuckerberg é uma das ferramentas de que o diretor David Fincher dispõe para manter o espectador conectado à sua verborrágica história oral da criação do Facebook. Isso fica claro no instante seguinte, a saída do pub, os créditos do filme, quando toca fora de cena a primeira faixa composta por Trent Reznor e Atticus Ross especialmente para a trilha, "Hand Covers Bruise" (é a mesma música que fica ao fundo no site oficial).
Roteirizado de forma auspiciosa por Aaron Sorkin (Jogos do Poder), a história apresenta fatos contundentes desta disputa judicial acirrada. Hora vemos Zuckerberg encarando Divya Narendra e os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, pretensos criadores de uma idéia que poderia ter se transformado no Facebook. Já no outro corner temos Eduardo Saverin, brasileiro tido como co-fundador do site e também único amigo de Zuckerberg na época, que o trairia posteriormente. Alicerçada pelo livro de Ben Mezrich “The Accidental Billionaires: The Founding of Facebook, a Tale of Sex, Money, and Betrayal” (livro que teve Saverin como principal fonte), a história contada parece tirada dos autos do caso, em cenas simplesmente eletrizantes onde o nível intelectual de Zuckerberg se destaca, sendo muitas vezes inteligentemente evasivo e também cruelmente verdadeiro.
O ponto alto do filme e o talvez o melhor seja a montagem. Tanto que ela foi agraciada com um Oscar para Kirk Baxter e Angus Wall. O filme tinha tudo para ser uma história monótona e massante, mas a agilidade e leveza como tudo é tratado faz com que a história seja absorvida da forma mais deliciosa possível. Contando com uma das melhores 'taglines' vistas nos cinemas nos últimos anos ("Você não consegue 500 milhões de amigos sem fazer alguns inimigos"), o longa é extremamente verossímil e tão natural que em alguns momentos nos faz esquecer que se trata de uma obra de ficção, que inclusive não contou com nenhum apoio por parte dos agentes reais da história.
Seguindo a mesma linha de todas suas obras, Fincher consegue tirar tudo de seus atores, neste caso, jovens em ascensão. Eisenberg emprega de forma madura assustadoramente competente o tom robótico de seu personagem, e no mínimo merece respeito por despejar toneladas de frases absurdamente complicadas sem ao menos piscar, proeza que se torna difícil até para os mais experientes rappers da atualidade. Ainda no mesmo nível, Andrew Garfield apresenta muita naturalidade em cena como o brasileiro Eduardo Saverin. Muito mais passional, seu personagem é o coração mais humano entre todos, fazendo de seu carisma a vergonha da traição de Zuckerberg. Timberlake está ótimo como o outro gênio precoce da turma, Sean Parker, fundador do Napster que começa a dar pitacos no dia a dia da rede social. O ícone pop prova mais uma vez que sua empreitada pela sétima arte é muito mais que uma brincadeira.
Se não é o melhor filme de 2010, está no top 5 fácil, fácil. Com várias indicações a premiações naquele ano, a fita concorreu ao Satellite Award, ao BATFTA e Golden Globe conquistando vitórias. Já no Oscar a premiação mais badalada, a película concorreu nas categorias de Melhor Mixagem de Som, Melhor Fotografia, Melhor Ator(Jesse Eisenberg), Melhor Filme(Michael de Luca) e Melhor Diretor(David Fincher) e acabou vencendo nas categorias de Melhor Trilha Sonora, Melhor Montagem e Melhor Roteiro Adaptado.
Talvez Ben Mezrich tenha exagerado muito nos depoimentos de Saverin e a história toda seja bem fantasiosa, com tons até de Cidadão Kane. Talvez a invenção do Facebook não tenha sido esse drama todo, mas inegavelmente o filme de David Fincher, através de um simbolismo ampliado e utilizando de códigos variados, consegue alcançar um resultado que pode ser considerado algo bem próximo da realidade. Com um roteiro dinâmico e perfeitamente talhado, com diálogos inteligentes, por vezes psicologicamente arrasadores, a obra se torna mais uma pérola na coleção do diretor sendo seu melhor filme ao lado de "Clube da Luta". Filme para se ver várias vezes...
Fincher está no topo entre os diretores de sua geração. Mais um belo texto Lucas, parabéns!
Fincher ta merecendo uma estatueta dourada... Obrigado Cristian...
Merecendo há muito tempo...