Não tem jeito... Existem, existiu e sempre irá existir filmes que estupram nosso cérebro sem dó nem piedade. Com total falta de respeito, sem cerimonia nenhuma martelam nossa mente por dias, semanas até. As vezes, o que é ótimo, excelente para você, não trará tanto impacto para um amigo ou nos fóruns de discussões mais acaloradas. A máxima é essa e acredito que nunca irá mudar. "Preso na Escuridão" foi assim comigo, me conquistou na primeira conferida, e olha que teve gente que comentou comigo que o filme precisaria de duas ou até mesmo três revisadas. Saindo fora só um pouquinho do assunto, o titulo original dessa produção que é originalmente espanhola em parceria com França e Itália é "Abre Los Ojos", mas nossos amigos tradutores de títulos aqui no Brasil mais uma vez nos presenteiam com outra pérola. 'Preso na Escuridão' não tem nada a ver com o título original e muito menos com a trama narrativa da película. De toda forma até um tempo atrás, o filme somente era exibido na programação de TV aberta e fechada e em VHS e relevando esse detalhe o filme é indispensável...
O diretor do filme Alejandro Amenábar hoje já com seus 42 anos é um sujeito dono de uma curta e curiosa filmografia. Estreando em 96 com o tenso suspense "Morte ao Vivo", posteriormente passando por esse exemplar aqui. Em 2001, apadrinhando nos EUA por Tom Cruise lança outro filme fantástico "Os Outros". Em 2004 volta para Espanha lançando o não menos excelente "Mar Adentro" e seu último filme de 2009 deu uma escorregada e não é tão bom assim "Alexandria". Mesmo eu gostando bastante de 'The Others" nenhum de seus outros filmes se aproximou de um roteiro tão rico e denso como esse seu filme de 97. Mesmo com uma narração complexa e as vezes difícil de assimilação, o filme é direto e objetivo. Almenábar não enrolado o telespectador, não gasta tempo desnecessário. O filme não se entrega a um dramalhão barato e nos imerge na história proposta. O argumento é similar a outros dois filmes que gosto muito que circula entre a realidade e o sonho que seriam "A Origem" e "Donnie Darko". Como em 'Inception", 'Abra Los Ojos' é um trabalho de três camadas: A realidade, a pseudo-realidade e os sonhos. Mas, no mundo cinematográfico o que é a relidade afinal?
O filme conta a história de César (Eduardo Noriega) um playboy mulherengo que tem sua vida destruída por uma amante, que não aceita vê-lo com outra namorada. Ela causa um trágico acidente, no qual ele tem sua face desfigurada, e ela morre. Acusado de assassinato, ele é preso em um hospital psiquiátrico onde um médico psiquiatra tenta o ajudar e através de flashback's a história vai sendo desenrolada. Somos obrigados a abraçar César como nosso herói. Aliás, César é talvez o que todo homem queria ser, por isso a identificação com ele é imediata. Herdando uma fortuna de seus falecidos pais e sócio de uma rede de restaurantes, onde acusa a todo tempo seus outros sócios de quererem tirá-lo de jogada, César é jovem, bonito, rico, pega todas e possui três carros na garagem, três!!! Mas, em uma determinada parte do filme em uma conversa com seu psiquiatra ele deixa bem claro que é um homem de gostos normais, “eu gostava de beber, ir para festas e fazer amor, como a qualquer um” inclusive em um momento podemos assimilar que ele não usa drogas. Com seus rosto deturpado é óbvio que o desespero toma conta dele por completo, afinal, quem se olha no espelho e se depara com a beleza a todo momento e num dia defronta-se com "A Fera" é de se desvairar qualquer um. E é aí que a loucura vai tomando conta da realidade e o filme vai evoluindo...
A fita vai aos poucos envolvendo o espectador numa rede onde sonho e realidade, onde plausibilidade e implausibilidade coexistem numa mesma lógica, em que César é incapaz de saber se está sonhando ou em vigília ou até mesmo tem apenas surtos delirantes. Com sonhos estranhos ora ele aparece sozinho na cidade, em uma tomada espetacular com a capital espanhola Madrid totalmente deserta e que deve ter dado um trabalho danado pra fazer, ora sua amante transloucada Nuria (Najwa Nimri) o persegue insistentemente e só pra não manter a constante de sonhos normais momentaneamente seu rosto se altera entre o normal e o desfigurado. A película que transita entre o drama, sci-fi e o suspense ganha traços de romance com a chegada de Sofia. César que antes só se preocupava em qual festa de arromba faria e compareceria e qual gostosa iria dormir, ao conhecer a aspirante a atriz se depara com um sentimento que nunca antes havia batido a sua porta: o amor. Nada mais faz sentido pra ele se não estiver ao lado dela e ele irá passar por cima de tudo e todos pra te-la ao seu lado, inclusive pelo seu melhor amigo Pelayo (Fele Martínez). E nesse momento as dúvidas e loucura já estão totalmente a tona.
Toda essa vistosa trama poderia se perder completamente se não fosse a criatividade e inteligência de Amenábar. O roteiro magnifico e engenhoso foi escrito pelo próprio diretor em companhia de Mateo Gil, que também produz a fita, e dizem que boa parte do script foi escrito no bar 'Pepe Botella' onde eles eram fregueses muito antes de se tornarem cineastas. Mas, os sensacionais argumentos não poderiam ser transpostos para a tela sem uma também eficiente e ágil edição/montagem que sabe encaixar os momentos chaves sem que o filme se torne confuso ou incompreensível. Os cortes abruptos que quebram o fluxo espaço-temporal e da inclusão de diversos momentos de dèjá vu são show de bola e também trazendo cenas repetidas, com leves diferenças, em que o personagem principal visita os mesmos cenários e fala as mesmas coisas, percebendo o fato, mas não encontrando explicação para ele. Os poucos efeitos especiais também não decepcionam e a maquiagem é soberba. O som também é de uma qualidade ímpar aliado a ótima trilha sonora, composta pelo próprio Amenábar intercalando sutileza e suspense na medida correta.
Essa parte técnica é adequada com louvor com a direção de atores e os atores em si orientados por Amenábar. O elenco alias e a cereja do bolo. É de se arrepiar com a atuação do fantástico Eduardo Noriega, que vai do arrogante ao bom moço sem soar forçado em momento algum. Como disse no início ele tem a vida que todo homem queria ter e é até compreensível suas atitudes antes do acidente, o que faríamos no lugar dele? Nos momentos em que Noriega atua com as máscaras e maquiagem só comprovam ainda mais suas qualidades de ator, já que suas expressões faciais e os maneirismos do personagem ficam inibidos e aqui vale uma afirmação do meio em que boa parte de uma boa atuação está na voz do ator/atriz. Fele Martínez como Pelayo não está menos do que magistral e temos um que de piedade do amigo de César já que o mesmo vive a sombra dele, pois não conta com um terço da beleza e da riqueza do companheiro. Najwa Nimri como a psicótica Nuria também é fora de série. Ele transmite imensamente uma pessoa obsessiva e pegajosa ao extremo sem soar cartunesca. Fechando o time principal temos a deliciosa e gostosíssima Penélope Cruz que é aquela mulher ideal para o casório. Simpática, linda, adorável todo adjetivo fofinho é cabível a ela. E Amenábar subiu ainda mais ao meu conceito ao exibir Penélope de topless, uhuuu!!!
Tom Cruise assistiu o filme e em meio a sua produtora decidiu comprar seus direitos, visto que a fita fez pouco sucesso nas terras do Tio Sam, sendo mais agraciado na Europa. Cameron Crowe incumbido da tarefa do remake é preguiçoso, aproveitando algumas cenas do original e refilmando diálogos e tomadas inteiras idênticas ao filme espanhol. Em alguns momentos infelizmente, é impossível não comparar o filme com seu primo rico "Vanilla Sky". E o remake é relativamente inferior já que Crowe é mais plástico e seu embasamento na cultura pop norte-americano ficou frio e insosso demais e em alguns momentos ele é até bonzinho demais com seu David Aames enqanto Amenábar faz César comer o pão que o diabo amassou. Um dos fatos mais marcantes da fita é quando Amenábar faz brincadeira e frita ainda mais nossa mente com o figurino (Concha Solera) dos personagens. O tom de vestuário de nenhum deles é claro ou alegre a exceção de Nuria, acredito que pelo fato dela ser a dama fatal e por mais que ela apareça pouco a catalisação gira em torno dela. Outro fato batante legal sobre o quarteto principal é que Nuria é a única pessoa a possuir cabelos curtos. Já o tom de roupas dos outros é sempre acinzentada, fria e triste, somente no final vemos Sofia com um vestido branco...
No Prêmio Goya, uma espécie de Oscar Europeu, o filme recebeu dez indicações nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator para Eduardo Noriega, Melhor Edição/Montagem, Melhor Maquiagem, Melhor Desenho de Produção, Melhor Direção de Arte, Melhor Argumento Original, Melhor Efeitos Especiais e Melhor Som e não era pra tanto. A fita só escorrega mesmo um pouco no final, infelizmente com a necessidade do momento explicativo, tratando de explicar o enredo para aqueles que não entenderam ponto a ponto todo o contexto nos últimos momentos da projeção. Infelizmente, para os que já entenderam, um pouco do brilho é perdido mas nada que comprometa o resultado final. Em alguns momentos o direto faz questão que fiquemos no ponto de vista de César, sob a máscara que usa (seja ela metafórica ou não) já que ainda sobra espaço para uma criticazinha a sociedade atual cada fez mais ligada as aparências. Independente de tudo, a conferida a essa obra é parada obrigatória para os amantes da 7ª arte e que abrem seus olhos...
Poucos comentários sobre o filme podem ser mais sinceros que esse " E Amenábar subiu ainda mais ao meu conceito ao exibir Penélope de topless, uhuuu!!!"
Hahahaha
Gostei bastante do filme também. Penélope é uma delicia, pqp.