Segundo o dicionário, expectativa é uma “esperança baseada em supostos direitos, probabilidades, pressupostos ou promessas”. Mas, segundo muitas pessoas, expectativa é, na verdade, uma merda. E esta mistura perigosíssima de características é uma das coisas mais trabalhadas pela indústria do cinema. Nunca antes na história deste planetinha, foram vistos tantos trailers, pôsteres, cenas de bastidores e pré-vendas como agora. Essa faca de dois gumes pode atrapalhar bastante, descaracterizando a fita e refletindo isso em bilheteria ou um boca a boca positivo pode gerar lucros e sequências de um filme as vezes até não tão bom. Embora o trabalho do roteirista Alex Garland não seja livre de erros, ele pelo menos retrata otimamente bem o universo do personagem Dredd, criado por John Wagner e Carlos Ezquerra, onde a violência (tanto física como psicológica) é de fato uma peça chave importantíssima. "Dredd" é um filme fantástico que infelizmente por vários motivos (até mesmo bobos) teve uma bilheteria ridícula mundialmente e que lamentavelmente corre mais riscos de cair no esquecimento do que virar "cult"...
Baseado na fodaralhastica (eita palavra linda que eu acho que inventei agora) HQ dos já citados Wagner e Ezquerra publicadas desde 1977, puta que me pariu!!!, na revista 2000 AD o filme conta a história de Joe Dredd (Urban) é um dos mais temidos juízes nas ruas de um futuro distópico de Mega City One, com o poder de impor a lei, sentenciar os criminosos e executá-los no local, quando necessário. Já Cassandra Anderson (Olivia Thirlby) nunca conseguiu passar no teste para tornar-se uma juíza, mas é aceita como recruta da corporação por seu excepcional poder de ler mentes. A trama se passa durante a primeira missão de Anderson ao lado de Dredd, no gigantesco bloco residencial Peach Trees, que o bando de Madeline Madrigal (Lena Headey, cuja falta de expressividade dá à personagem um fatalismo bastante envolvente), conhecida como Ma-Ma, controla do alto do 200º andar.
Não sei se sei lá intencionalmente o filme possui características de "Robocop" de 1987 do Verhoven. Ambos se passam numa metrópole futurista tomada pela violência que depende de uma força policial atípica para deter a criminalidade e contam histórias que trazem a mais brutal violência como recurso narrativo central além, claro, de girarem em torno de um policial veterano e de uma novata que se veem vitimados por quadrilhas absolutamente impiedosas. Além disso, são ótimos filmes que sobrevivem às armadilhas do gênero, criando universos realistas (apesar do absurdo de suas premissas) e angustiantes. Em outras palavras, este novo Dredd nada tem a ver com aquela besteira estrelada por Sylvester Stallone em 1995. Maluco, aqui o JUDGE DREDD NÃO TIRA O CAPACETE cara! Peter Travis foi macho e não vemos uma única vez o rosto todo de Urban, só isso já da pra encher os olhos e se ligar na tela. Sem suavidade e sem frescura...
Inicialmente pensado como um projeto independente, "Dredd" teve uma produção mais contida do que as dos grandes blockbusters baseados em HQs dos últimos tempos da Marvel e DC por exemplo. Com um orçamento enxuto (45 milhões de Obamas, uma pechincha para os padrões hollywoodianos), o filme foi feito com uma espécie de cuidado tão especial, familiar mesmo em que em alguns aspectos fica quase possível chamar os caras da DNA Films para tomar uma e comer uma picanha, pois eles tiveram apreço máximo para produzir o longa, com seus cenários metálicos e bem acabados, praticamente feitos na mão, praticamente sem uso de fundos verdes e CG. Além do filme me ter feito lembrar de "Robocop" também lembrei de "Um dia de Cão", "[REC]", "Assalto à 13ª DP" e "Duro de Matar" devido ao ambiente claustrofóbico a adotar a estrutura narrativa do 'protagonista encurralado' em praticamente um ambiente apenas com poucos recursos e poucas chances de sair vivo daquele situação, enfrentando obstáculos cada vez maiores em um espaço físico bastante restrito.
Neste aspecto, aliás, o design de produção de Mark Digby merece créditos por criar ambientes que mantêm certo padrão sem soarem terrivelmente repetitivos e os longos corredores (provavelmente completados com o auxílio de efeitos visuais) também servem bem à ótima fotografia em 3D, que explora aqueles espaços com grande profundidade de campo ao mesmo tempo em que o diretor Pete Travis e o montador Mark Eckersley enfocam a ação com intensidade, mas sem histerismo, permitindo que compreendamos o que ocorre e evitando a confusão visual de cortes excessivos em uma obra rodada em três dimensões. Em meio a tudo isso, o roteiro tenta (de certa maneira pouco relevante) trabalhar alguns elementos morais e dramáticos, vistos sempre pelos olhos da (relativamente humana) recruta Anderson. Mesmo o elo de ligação entre os dois é explorado de maneira pouco aprofundada, mas uma empatia pela dupla acaba surgindo.
Essa empatia criada por Cassandra Anderson e Dredd não seria possível sem um trabalho fenomenal por parte da relativamente novata em Hollywood, Olivia Thirlby e do sempre competente Karl Urban. Com o rosto coberto por um gigante capacete, é de se pensar que Urban não precise fazer muita coisa para parecer convincente no papel do tal juiz que, assim como nas HQs, é de falar pouco e atirar bastante, mas a entonação de sua voz e as poucas expressões faciais possíveis de se realizar, fazem com que o ator demonstre toda a frieza, carranca e silhueta 'bad-ass' de Dredd. á Thirlby, ganha pontos com sua personagem, uma das únicas da trama que parece não ter passado a vida ao lado de algum 'Capitão Nascimento'. Anderson não é 'fodona' como seu parceiro, e por isso, consegue transmitir para a audiência o real perigo das situações enfrentadas. Infelizmente, Lena Headey não consegue nem repetir aqui o carisma que teve com sua rainha Gorgo do filme dos espartanos, nem sustentar o papel da vilã. Talvez seu lugar seja mesmo na pele de Cersei Lannister em 'Guerra dos Tronos'...
O que mais impressiona no filme é sua objetividade. Uma história simples e bem desenvolvida. Dois policiais presos tentando fugir de bandidos. Não há exageros, dramas excessivos, os rotineiros alívios cômicos ou convenções comuns de roteiros. O filme prende a atenção e vai assim até o final. Pete Travis até então tinha entregado dois filmes apenas medianos. "Ponto de Vista" de 2008 (com um elenco astronômico diga-se de passagem) e "Frente a Frente com o Inimigo" de 2009 são bem fracos e não empolgam tanto. Aqui, o diretor acerta a mão pela primeira vez e mostra como não é tão difícil fazer bons filmes. Uma ideia simples e bem trabalhada geralmente é o suficiente para garantir duas horas de diversão. A questão não é ter uma grande ideia, mas sim como trabalhar esta ideia. Às vezes é melhor uma ideia banal e bem feita, do que algum grande conceito pretensioso. Travis acerta muito bem nas cenas de ação com muito 3D com pancadarias bem coreografadas aproveitando o curto espaço físico enquanto distribui balas e mais baladas regadas a bela trilha sonora criada por Paul Morgan.
Quase todas as cenas importantes de "Dredd" se passam sob efeito da droga 'Slo-Mo', com o tempo correndo mais lentamente seus usuários enxergarem a realidade com uma fração da velocidade normal (por isso o nome "câmera lenta"). Parece um bullet time do 'Max Payne' com LSD que preenche e salta da tela 3D (o longa foi rodado no formato) mas é um festival de luzes e cores que as vezes não exatamente combina com o tom do resto do filme. Dizem que o filme só começou a ser financiado com essa exigência do 3D. De uma coisa eu não tenho dúvidas, Travis e Garland possuem culhões, pois ao serem abordados para rodar uma fita mais 'amena' para que o filme recebesse censura P-13 eles mandaram os produtores se danarem e mantiveram o tão polêmico e receoso P-17. Para o bem ou para o mal...
Apesar de não se aprofundar nos personagens principais, o roteiro acerta ao retratar de maneira contundente, todas as características exponencias que moldam o universo da HQ adaptada (como a violência brutal), conseguindo também aproximar a dupla de Juízes da audiência. O núcleo central de atores conduz bem a trama até seu desfecho e a direção inventiva de Pete Travis definitivamente engrandece o filme. Se você quiser ver um filme equilibrado com cenas de ação e violência, "Dredd" é uma excelente opção. Seria bom se todos os filmes de ação fossem como este. Atuações comedidas, roteiros comedidos, ideias comedidas. Garantia do único objetivo do cinema e da arte de modo geral: diversão. Diversão de qualidade sem afetações e sem roteiros e personagens pré-concebidos. Conseguindo a proeza de conferir humanidade ao protagonista mesmo contando apenas com a boca e o maxilar para expressar sentimentos muitas vezes complexos (sendo, claro, auxiliado pela voz grave e dura que os espectadores da versão dublada perderão), Karl Urban encarna Dredd como um homem íntegro, seguro e determinado que também exibe uma gentileza insuspeita sob o profissionalismo com o qual trata a novata Anderson, revelando-se um ótimo tutor mesmo sob fogo cerrado. Enquanto isso, Olivia Thirlby é hábil ao evocar a vulnerabilidade e as dúvidas da garota sem que, com isso, sua personagem soe fragilizada a ponto de soar implausível como candidata a Juíza. "Dredd" talvez tenha sido concebido com o fracasso eminente e provavelmente se perca com o tempo... Mas é um filme de macho pra macho...
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