“Como Fred e Jorge estão abertos? Metade do beco está fechada...”
“Eles acham que o pessoal precisa de uma boa risada hoje em dia.”
Este diálogo resume a premissa de Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half Blood Prince, 2009). Na cena em questão, o Beco Diagonal, outrora espaço de diversão e brincadeiras, surge sombrio e decadente, contrapondo-se com a loja dos gêmeos Fred e Jorge, extremamente colorida e de visual extravagante. Esta alternância entre a comédia e o drama é o que compõe o filme, que se estabelece como um dos mais maduros, divertidos e gratificantes da saga. A ideia é de que a trama se passa em um mundo triste e hostil (realçado pela fotografia e direção de arte) e por isso mesmo, uma dose de comédia é necessária para aliviar a tensão e a tristeza.
Enigma do Príncipe, sexto livro da saga, é uma obra muitíssimo difícil de ser adaptada, visto que sua trama tem muitos focos importantes, o que torna difícil a adaptação. Entretanto, Steve Kloves conseguiu adaptar brilhantemente o livro para as telas sem que este fique enfadonho, fazendo modificações ao texto original para se adequar à linguagem cinematográfica, mas sem nunca perder sem tom e espírito. O trabalho narrativo é primoroso, juntando a trama principal (composta por dois focos: a relação Harry/Dumbledore e a missão de Draco) e as subtramas com coesão, e as desenvolvendo organicamente. Então, após a resolução das subtramas (que acabam indiretamente influenciando o desenvolvimento da trama principal), os dois focos de trama se juntam em um clímax grandioso, tenso e poderoso emocionalmente, daqueles em que não se desgruda os olhos da tela em momento algum. E por fim, após uma porrada emocional, ainda consegue manter o interesse e criar expectativas para os filmes posteriores.
Com uma linda fotografia, com cada cena com uma cor predominante e cujo contraste entre elas garante uma harmonia, Harry Potter e o Enigma do Príncipe demonstra uma clara evolução de David Yates na direção. Ele constrói a tensão com maestria quando necessária, com seus ângulos claustrofóbicos e câmera inquieta, assim como cria diversos momentos brilhantemente compostos, seja na mise en scène (como na cena em que Harry chega na Toca, e os integrantes da família Weasley vão gradualmente surgindo nos patamares da irregular escada) ou então em plano-sequências inspirados. O mais belo de todos e que ainda sintetiza a proposta do filme é o no qual a câmera passeia ao redor das torres do castelo e vemos Rony e Lilá se beijando (a melancolia deste pedaço se dá pelos sentimentos de Hermione em relação a este fato, assim como as frustrações românticas tanto dela quanto de Harry), Draco Malfoy, absorto em seus pensamentos quanto à dura missão que lhe foi concedida, e ainda de quebra nos é mostrado o nascer do sol, atravessamos a parede de uma torre e acompanhamos Harry e Rony conversando, desta vez com um clima descompromissado e amigável. A noite foi dura e triste, mas é um novo dia, com novas oportunidades. Esta cena ainda reflete a adolescência, volúvel e imprevisível.
Falando em adolescência, é interessante ver pela primeira vez o trio, assim como uma infinidade de figurantes, em seu dia a dia, apenas conversando descompromissadamente, rindo, se divertindo e se entregando (ou ao menos tentando se entregar) a relações amorosas. As poções também surgem para fortalecer esta ideia, como uma clara alusão a drogas (e ver Harry e Rony consumindo poções e agindo como se estivessem chapados é simplesmente hilário.).
O fato de que o personagem Harry Potter nunca esteve tão carismático também ajuda: ele tem características de um típico herói (coragem, determinação, lealdade), mas também sofre de timidez em relação a garotas e apresenta alguns traços de adolescentes típicos (ele é por vezes preguiçoso, desleixado e até fica convencido em certo momento com toda a hype de “o escolhido”). Tais traços aparecem sempre sutis, o que impede o personagem de soar arrogante como em muitos filmes protagonizados por adolescentes. Danniel Radcliffe, assim como o restante do elenco jovem, se mostra confortável em seu papel, convencendo tanto do ponto de vista emocional quanto cômico. O elenco britânico veterano segue igualmente bem.
Mas o grande destaque do filme, tanto em relação ao personagem quanto em relação á atuação, é Jim Broadbent. Com uma forte presença em cena, ele consegue transmitir a enorme culpa sentida por seu personagem, que surge contraposta com a nostalgia de seus tempos de professor e de seus alunos (sua pequena coleção de joias). Além disso, consegue fazer rir e chorar em um curto espaço de tempo, com um monólogo que começa divertido, mas que aos poucos se torna particularmente tocante.
A trama está mais madura, os personagens estão mais maduros, os temas estão mais maduros. Mas ainda há no filme um pouco da magia alegre dos primeiros filmes, não só pela comédia, mas por certas cenas que resgatam a inocência de outrora: a loja de Fred e Jorge, a reconstrução da casa de Slughorn e a simples aparição de um sapo de chocolate no Expresso Hogwarts enquanto ao fundo toca Hedwig’s Theme, por exemplo. São momentos de felicidade e descontração necessários para aliviar o sofrimento de um mundo que se torna mais hostil e desagradável a cada dia.
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