De fato, "Pink Flamingos" não é um filme para qualquer um, acho que isso é óbvio. O modo como ele foi feito (todo tosco, com diversos erros de câmera, continuação, corte, edição e roteiro) imprime um realismo diferente do que estamos acostumados a ver no cinema: ao invés de entrarmos na ficção proposta pelo filme, muitas vezes somos levados a pensar que os atos bizarros gravados na obra aconteceram de fato, por falta de recursos que pudessem camuflar ou disfarçar tais atos - o que nos aponta, invariavelmente, que John Waters não teve qualquer preocupação técnica de propósito. Saber que o que acontece no filme (não tudo, logicamente) aconteceu de verdade nos sets só aumenta o nojo das cenas.
Que "Pink Flamingos" funciona como ícone de uma contra-cultura que surgia ao final dos anos 60, com o movimento hippie e a pop art de Andy Warhol (aliás, esse filme lembra muito a estética dos filmes do famoso artista plástico, só que bem mais satírico), nós sabemos. Mas a obra também trabalha como crítica de uma sociedade falida. Por vezes somos questionados acerca do papel de instituições como a polícia e a imprensa, sem falar da validade de práticas como a inseminação artificial e a busca por objetivos inúteis e corrompidos, como ser a "pessoa mais sórdida do mundo" (aqui um exagero, mas quantas metas tão estúpidas quanto essa não são vistas todos os dias?). John Waters reinventou a vilania através do vilão que sente orgulho de ser mal, mas que não desperta a antipatia do público.
Aliás, a antipatia inexiste. O filme todo é percorrido com uma mão despreocupada, relaxada, com foco em personagens extremamente caricatos e invariavelmente carismáticos. Como não adorar as figuras de "Divine", "Edie" e até da antagonista "Connie Marble"? Envolvido pelas auras dessas pessoas, o espectador não se repele ante todo o nojo mostrado na tela, mas, sim, se sente impelido a continuar assistindo para se ver novamente surpreendido.
Talvez nunca saibamos se Divine é a pessoa mais sórdida do mundo, mas é possível dizer que "Pink Flamingos" é o filme mais sórdido de todos. Deliberadamente tosco e ousado, John Waters esperava chocar o público. Só não esperava despertar tanta simpatia com a criação de um mundo digno de repulsa.
Pra min um ícone, ele colocou modelos de cinema no chinelo, e destroçou todos eles...aos desavisados que se depararem com essa tenebrosa obra de arte com certeza irão se chocar, ainda hoje 40 anos após a produção, não como não achar Pink Flamingos sórdido.
Ousado, tosco, nojento, bizarro, BELO.
Amo esse filme, apesar de só ter tido estomago pra assistir poucas vezes, ele é sem dúvida uma obra de arte.