Já dizia Karl Marx, há uns 150 anos, que “o homem é produto do meio”, e essa é talvez a maior premissa de “Martha Marcy May Marlene”, longa de estreia do cineasta Sean Durkin e que teve sua première no Festival de Sundance de 2011. O filme conta a história de Martha, que pode ser Marcy May para alguns ou ainda Marlene Lewis para outros. Tudo depende do meio e da situação onde o indivíduo se encontra e tem sua identidade moldada.
Martha é uma jovem infeliz com sua vida tipicamente burguesa. Foge de casa e da família sem dar notícias, rumo a uma espécie de centro de reabilitação alternativo, feito por pessoas que se desassociaram da sociedade e procuram um estilo de vida que não dependa do capitalismo e de seus valores subsequentes, como o individualismo. Todos vivem em harmonia, buscando a auto sustentabilidade e o melhor para o coletivo, liderados pela figura patriarcal de Patrick (o nome não parece ter sido escolhido à toa), uma espécie de Charles Manson mais pacífico.
O choque entre Martha e aquela realidade é nítido. Logo na primeira noite, ela é estuprada por Patrick, mas é instruída por uma das colegas de casa que aquilo era parte de um processo de purificação, que a dor era um bom sinal de limpeza das toxinas que a vida havia lhe dado. A rotina também não é fácil, e inclui trabalhos de manutenção constante da casa e dos suprimentos, sendo a alimentação permitida apenas à noite (mulheres comendo separadamente dos homens, como se fazia em tempos idos). Há ainda uma inclinação anárquica na ideologia daquelas pessoas, e parte do grupo invade casas com frequência, chegando a, até, matar um dos moradores que presenciou a invasão de seu domicílio.
O início do filme revela que a protagonista não se conectou à sua nova vida e decidiu pela fuga. É angustiante ver como ela não se encaixa em contexto algum, pois, após escapar daquele retiro massacrante e ser resgatada pela irmã, Martha veria que não se pode esquecer o passado tão simplesmente, e passa a viver o presente e as lembranças de forma quase indissociável. Aliás, a escolha da linha narrativa por flashbacks durante toda a trama reforça isso de forma elegante e com edição competente, provocando uma confusão intencional no espectador. Elizabeth Olsen estreia com segurança, entregando uma interpretação convincente e, por vezes, surpreendente. A obra é muito bem fotografada em tons vintage e a direção de Durkin é interessante, com alguns ângulos inusitados. Nesse aspecto, e na distorção do ser humano, é possível traçar um paralelo com o grego “Dente Canino”, só que sem tanta ousadia.
Por sinal, ousadia é uma das faltas mais notáveis, não no roteiro, que é arriscado em suas diversas intenções (seja parecer contar a história de trás pra frente, seja fazer com que tudo aquilo pareçam alucinações de Martha), mas na abordagem de um tema tão interessante. Outra ausência é a de regularidade. O filme conta com momentos de misantropia pura e natural, e outros de metáfora visual precisa, mas o discurso de tom hippie-budista soa forçado em diversas situações e determinadas falas beiram o lugar-comum, causando certa vergonha alheia em quem assiste. Defeitos compreensíveis para um primeiro trabalho, nada que anule o esforço louvável de “Martha Marcy May Marlene” de ser uma obra surpreendente e instigante.
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