A origem do sonho americano da prosperidade: uma vaca leiteira. Anos e anos aperfeiçoando a exploração, vamos chegar aos rebanhos de massa. Vida de gado, povo marcado, povo feliz.
A história é bem trivial e óbvia. É a forma e o escopo que trazem a substância, expondo as raízes de um sistema com ótima ambientação. Tem momentos simples com vigor.
O grande destaque aqui é a atmosfera do filme. A ambientação é muito bem construída através de planos que enaltecem a natureza e muitas vezes focam em personagens e ações que não têm ligação direta com a trama principal. Isso dá uma sensação de imersão muito boa. Apesar do ritmo lento que às vezes atrapalha, o filme retrata uma amizade de maneira linda e delicada e ainda mostra os efeitos do começo do capitalismo nas relações humanas com certa sutileza.
O maior mérito aqui é transparecer uma vivência simples, humilde em um Estados Unidos se formando enquanto nação, onde duas pessoas que apenas perambulavam pela região, se conectam numa amizade sincera em busca de atingir seus sonhos, mesmo que por vias 'ilegais'. Reichardt tem completo domínio do espaço, onde imprime uma tranquilidade em cena, calmaria fundamental para essa experiência de observação e apreciação do ambiente.
Reichardt em seu trabalho mais maduro e de ritmo mais fluido, ainda que lento. O florescer de uma amizade corre em paralelo com uma sutil observação sobre o contexto exploratório e ganancioso de certa sociedade, e essa total ausência de panfletarismo é um triunfo.
Mantendo uma qualidade absurda em seus filmes, Kelly Reichardt é uma das grandes realizadoras do momento. "First Cow" talvez seja seu melhor trabalho. Um filme minimalista, poético, profundamente humano e revelador. Tem no seu cerne a formação americana, a ambição do homem, a conexão entre natureza, amizade e sobrevivência. Verdadeira arte da contemplação.