O totemismo da beleza e as manifestações do sensível no cinema de Refn
Por vezes dizer onde se encontra a maturidade de um diretor é difícil, considerando a complexidade com que se pode expressar sua arte durante toda uma filmografia, Refn ao que me parece está mais afinado com o que se propõe, e com isso constrói um terror visual que se torna a síntese de seu cinema até o presente.
A concepção do Cinema para além da mimética é uma ousada tentativa de subverter o instrumento pelo qual se quer passar uma mensagem, Refn tem mostrado uma passagem da simples mimética e utilizado o cinema como transmissor sensorial em um nível tal que desenvolveu uma assinatura singular, sua utilização de cores fortes trazem uma "violência imagética" tão individual que, ainda que seja possível traçar suas influências, sua visão é algo por demasiado diferente. Este sendo um dos pontos chaves dos seus mais recentes filmes, ainda que encontrado em obras anteriores, em Only God Forgives e agora no ápice de sua técnica The Neon Demon, vem causar uma experiência cinematográfica que pretende ser mais do que um simples discurso imagético, onde aqueles que se permitem abarcar esta nova utilização do cinema conseguem melhor sentir e participar desse "cinema vivo". O discurso de Refn ainda oferece em termos hermenêuticos um cinema nada fechado, o vazio aparente de suas imagens apenas permanecem nesse estado de inércia se o próprio espectador assim permitir, pois sua poderosa capacidade de induzir à múltiplas facetas do espírito da beleza presente entre os "vazios" e a tomada de forma pelo individuo que experiencia sua obra é talvez seu maior triunfo. Os maiores detratores deste novo trabalho, pela maioria das vezes, são aqueles que não se permitiram escavar níveis mais profundos, por abraçar rapidamente uma leitura "óbvia" de puro esteticismo sem sentido na condução de Nicolas aos seus filmes, não menosprezando a capacidade de tais detratores, mas indicando, em si, o menosprezo desses para com a potencialidade do filme de exibir a verdadeira linguagem sacrificial que os totems da beleza tomam o lugar neste filme.
A trama desse ainda apresenta uma melhor condução do roteiro, visível preocupação após as críticas à OGF. Tendo The Neon Demon uma história do próprio Refn, este posiciona os personagens em um mundo limite, uma manifestação de duplos: dançando entre o onírico e a perversidade da realidade, entre a casca e o núcleo de uma visão tanto infernal quanto bela dos reflexos do espírito dessas pessoas; as camadas com que se desenvolve a trama são bem distribuídas como as camadas de cores diversas e a gradual transformação de Jesse à medida que percebe suas potencialidades e a exigência volitiva ao seu redor, em um mútuo prazer que se situa na exposição da beleza e na absorção pelos desejosos. Lembrando construções Lynchianas, porém com sua estética própria, criando uma centralidade em seu terror e beleza visual, alcançando sensações necessárias e impressionantes (em um sentido de ataque sensorial perturbador). A narrativa é só uma estrada em Neon Demon, a estética a paisagem, e a essência se encontra no horizonte.
A síntese realizada neste filme não só indica um ponto de harmonia com sua proposta em sua carreira, mas se transmite como resposta às críticas feitas ao seu OGF, o diálogo chave, tanto metalinguístico como uma quebra de parede em que se afirma "Beauty isn't everything, is the only thing" transparece essa dupla conversa, o indício de sua maturidade e aceitação de como sua arte se manifesta. Compreender e embarcar neste cinema "estético-sensorial" é aproveitar o que de melhor este diretor é capaz de produzir, não sendo algo palatável a todos, porém, exigível na medida da aceitação.
Seu cinema, e este filme, explodem em tons e cores, reflexos e neon, é um cinema de ataque, onde só existem sujeitos passivos. Nesta película de vários acertos talvez o melhor a se destacar não seja a sinestesia elogiada durante toda esta análise, mas sim sua capacidade de abertura, que apesar de discricionário se limita dentro da sua mistura de sentidos, para diversas interpretações dessa realidade. Deixe-se sentir.
E digo o mesmo que teu comentário ao outro texto. É prazeroso ver um filme que pode despertar tanta discussão e ver essa discussão em um texto tão feliz em exprimir suas ideias quanto esse que você escreveu.