Pancada! Pancada cinematográfica de Darren Aronofsky!
Ao ver réquiem para um sonho, esqueça aquela frase que” cinema é diversão”, aqui temos um filme pesado, cruel e realista, onde a diversão não existe e o que de fato existe é uma viagem ao mundo das drogas de uma forma jamais vista nas telas, e isso se dá pela forma muito bem elaborada que foi feito. Inicialmente parece que não veremos nada de tão surpreendente, o tema já foi abordado diversas vezes e até mesmo recente ao ano de réquiem pudemos conferir traffic, a diferença é que este nos mostrava o mundo das drogas por diversos ângulos enquanto réquiem para um sonho traz os personagens para junto de nós, focando simplesmente nos efeitos das drogas, sejam elas licitas ou ilícitas, palpáveis ou abstratas, visíveis ou psicológicas. Uma obra impactante do inicio ao fim, um filme forte e direto, não faz rodeios, não existe forma didática, existe sim uma forma eficiente que envolve o telespectador para aquele mundo sombrio e cruel, e que indiscutivelmente transporta-nos a trama. Na ousadia de Darren, surgem controvérsias , acusam-no de moralista, e criticam que o filme quis dar “uma lição de moral”, é perceptível que talvez essa opinião venha pelo fato de não compreenderem a tamanha coragem de jogar na cara da sociedade um problema que todos sabem que existe mas fingem desconhecer.
Em réquiem, não existe violência urbana, existe uma historia brutal de sonhos despedaçados num conflito de 4 personagens que se interconectam caminhando a passos largos para a desgraça. Harry ( Jared Leto) é um jovem que persegue o ideal de riqueza e felicidade, mas acaba viciado em heroína, Sara Goldfarb ( Ellen Burstyn ) mãe de Harry, uma senhora viciada em um programa de tv, que após ser convidada para participar do programa, inicia uma obsessão para entrar em seu vestido vermelho e começa a tomar inibidores de apetite, viciando-se em anfetaminas, Marion ( Jennifer Connelly) namorada de Harry,é uma menina rica mas que não tem um bom relacionamento com os pais, também viciada e Tyrone ( Marlon Wayans) amigo de Harry e parceiro na transação de trafico que pretendem iniciar.
A Narrativa é contada por meio de estações do ano, o verão, a estação luminosa onde os sonhos começam, o outono onde a felicidade que cada um experimentou na estação passada começa a despencar como as folhas das arvores dessa época e o inverno, estação que traz consigo a aniquilação de sonhos e desejos. A construção dos personagens é outro destaque, sendo muito bem feita já que mesmo sendo tudo tão “estupido” e violento, nem mesmo conseguimos condena-los e em certos momentos a vontade é de entrar na tela e tentar fazer algo para salva-los.
Se formos analisar, já pelo titulo poderíamos ter certeza que teríamos algo diferenciado e interessante, ele é poético, réquiem significa repouso, e é justamente o que não veremos por aqui, desde o inicio existe uma tensão e uma sensação de que algo de ruim vai acontecer ( mas nem pense que isso é previsível) apenas ficamos intrigados e nos envolvemos pela linguagem vídeocliptica com as utilizações das montagens, seja pelas divisões de tela, que leva a um dinamismo pouco visto por ai ou por cortes frenéticos de forma a proporcionar ao telespectador as sensações diante do caos alucinatório, feitas com instabilidade de câmera, percebe-se isso pelo fato de 2 mil cortes terem sido feitos para o espectador ficar realmente “chapado”, isso se dá pela anáfora cinematográfica com divisões e repetições de cenas, assim como tomadas em zoom e closes que parecem bobas mas dão uma significância enorme a trama.
O elenco é realmente bom! Jared leto se entrega ( literalmente) a um personagem complicado onde inicialmente avistamos um menino sonhador e as poucos acompanhamos sua transformação cruel, em um termino de deixar qualquer um com nó na garganta. Jennifer Connelly como a patricinha viciada compõe perfeitamente o que lhe foi proposto, numa consistência até bem superior a da interpretação que lhe rendeu o oscar em outro filme. Marlon Wayans ( quem diria, vermos num papel realmente serio) é regular e em nenhum momento compromete a obra, mesmo que sua atuação não se compare a do resto do elenco. O grande destaque porem, fica por conta de Ellen Burstyn em uma das melhores atuações femininas de todos os tempos, é visceral a forma como a atriz da vida a personagem e vemos um show a parte. É tão marcante a interpretação de Burstyn que fica difícil não acreditar que exista uma Sara Goldfarb anfetaminada ( e ouso a dizer que uma das maiores injustiças do academia de cinema foi premiar Julia Roberts ao invés de Ellen Burstyn)
A trilha ( precisava de um paragrafo somente para isso) é uma das coisas mais marcantes do filme, a musica que permeia os 102 minutos da película é de uma sensibilidade singular, transpassando sentimentos e sensações que dificilmente seria captado com tanta poeticidade. Uma mistura de tenso e sublime faz com que a trilha mais pareça um novo personagem. ( e acredite! Mesmo se você for daqueles que detestam exageros nesse aspecto, aqui você certamente vai ficar “viciado”)
O filme é verdadeiramente chocante, e até os mais indiferentes sairão pensativos após os créditos finais, difícil digerir a demonstração real da nossa sociedade doente e sádica que cada vez é mais individualista ( sim, isso é mostrado em vários momentos da obra). Nos 40 minutos finais o que conferimos é uma insana e constante queda, onde realmente podemos ver os efeitos daqueles que ousaram a subestimar os próprios limites e a sensação que fica é depressiva e angustiante com um desfecho que é sem duvidas um soco no estomago!
O fato é que réquiem talvez não tivesse sido tão extraordinário ( minha opinião particular) se não fosse pelo fato de ter em seu comando alguém inteligentemente suficiente para extrair um trabalho com realidade nua e crua, com ousadia impar e abordando um tema complexo, mas com uma historia que poderia ter sido banal que torna-se aqui uma forma brilhante. Darren não quis dar lição de moral, e sim “vomitar” a verdadeira ruina causada pelas drogas e outros vícios, cabe cada um refletir se o que viu é suficiente.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário