2012, reeleição de Barack Obama, primeiro presidente negro dos EUA. Não havia momento mais oportuno para lançar um filme sobre outro presidente do país, Abraham Lincoln, figura fundamental na história do país, enfocando a questão da abolição da escravidão. E o responsável foi o muito prestitgiado e respeitado pela indústria cinematográfica norte-americana, Steven Spielberg. Agora vem a questão: será que Spielberg fez mais um dos seus sentimentaloides dramas históricos? Para surpresa geral, a resposta é negativa, pois o diretor incorreu no erro oposto, fazendo um filme frio, distante, e mesmo assim uma espécie de louvação a Lincoln. Não é à toa que tem agradado tanto público e crítica por lá.
Para a exibição em terras internacionais, Spielberg inseriu cerca de um minuto na metragem logo no início do filme, contextualizando a Guerra Civil norte-americana, no fim da qual Lincoln (Daniel Day-Lewis) conseguiu aprovar a emenda que aboliu a escravidão nos EUA. Mas dessa vez o diretor mal mostra a guerra (o que é até uma pena, já que poucos filmam cenas de batalha como Spielberg), e investe nas discussões políticas entre Lincoln, conselheiros, aliados e suas tramoias, subornos e corrupção para que a emenda fosse votada e aprovada antes do fim da Guerra. E ainda sobra no tempo no roteiro de Tony Kushner (o mesmo de Munique, 2005) e Paul Webb para mostrar a relação de Lincoln com a esposa emotiva (Sally Field) e com seus filhos, principalmente o mais velho, Robert (Joseph Gordon- Levitt).
É difícil negar que, tecnicamente, o filme é impecável, com uma reconstrução histórica incrível, fotografia escura dando um ar mais intimista e soturno nas reuniões e debates, o elenco adequado (do qual falarei mais adiante) e uma trilha discreta (que milagre!) de John Williams. Mas tudo isso em meio a uma ladainha política repetitiva e interminável, que tornam os 150 minutos de duração uma experiência consideravelmente aborrecida. Ao se livrar do melodrama e diminuir o sentimentalismo, Spielberg acabou fazendo o extremo oposto, com um filme que girando em círculos em discussões políticas que só devem interessar mesmo aos norte-americanos. Toda hora há Lincoln discutindo com possíveis aliados, ou mandando subornar e convencer opositores e políticos contrários à aprovação da emenda, e o filme não sai disso. Aliás, quando sai, é para Lincoln contar uma piada sem graça ou abordar de forma rasa sua relação com o filho, que entra e sai do filme sem fazer a menor diferença.
Spielberg parece ter investido em um jeito mais “clássico” de fazer cinema, apresentando uma sobriedade inesperada para seus padrões. Mesmo assim, como era de se supor, o diretor não resiste em louvar a figura de Lincoln. Mesmo mostrando que a aprovação da abolição se deu a custas de subornos e promessas de cargos, Spielberg não resiste em colocar Lincoln no meio do povo contando histórias, protegido sob a chuva cumprimentando soldados negros, e com uma cena constrangedora de discurso perto do fim, buscando reforçar a imagem endeusada do presidente. Se a morte de Lincoln não é mostrada, a fala do médico de que “ele entrou para a História” dá o exato tom mítico irritante que Spielberg queria.
Fica inclusive a impressão que o excepcional Daniel Day-Lewis sofre com essa abordagem, entregando um trabalho no máximo correto, sendo talvez a atuação mais superestimada do ano. É claro que ele incorpora Lincoln nos mínimos detalhes (o jeito de falar, de andar, o rosto envelhecido e cansado), mas que nunca gera empatia com quem está assistindo. Fica difícil acreditar que aquela figura podia ser tão persuasiva, que ele podia ser tão querido por grande parte do povo. Em compensação, Sally Field está maravilhosa como sua esposa, vista por muitos como uma desequilibrada na época, mas que sofria com a perda de um filho e os jogos políticos nos quais o marido estava envolvido. É até surpreendente como a atriz ofusca Day-Lewis em uma cena de discussão entre ambos. É só quando ela e o ótimo Tommy Lee Jones entram em cena que o filme “ganha um gás”, embora ambos apareçam pouco. Lee Jones, por sua vez, cada vez melhor com o tempo, entrega uma atuação impecável como o líder dos radicais Thaddeus Stevens, que em um determinado momento precisa frear suas concepções pessoais para que a emenda possa ser aprovada. O restante do elenco não tem muitas oportunidades (Gordon-Levitt nem precisava estar no filme, já que não faz nada, a não ser olhar para mãos decepadas e chorar), embora haja boas participações do veterno Hal Holbrook e de David Strathairn.
Com todos esses elementos, Spielberg fez um filme na medida para ganhar prêmios e fazer sucesso com o público norte-americano, abordando a abolição da escravidão quando Obama quer levar adiante avanços nas questões dos direitos civis. Lincoln, figura emblemática da história dos EUA. é mais uma vez reforçado quase como uma lenda. Já o trabalho de Spielberg é, no máximo, razoável.
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