Em geral, quando algum filme é considerado um "clássico", logo imaginamos que ele deve ser repleto de qualidades, o que desperta a nossa atenção para assistir ao dito cujo. Exatamente o que me despertou o interesse em O Dólar Furado, dirigido por Giorgio Ferroni em 1965, foi o fato de o filme ser considerado um "clássico" dos western spaghetti italianos, ou um dos melhores filmes do gênero. O resultado: pura decepção. O filme se resume a uma trama de vingança absolutamente clichê, com uma ou outra revirvolta interessante, um festival de personagens caricatos e atuações a nível da novela "Malhação", da Rede Globo.
Então, será que há algo que vale a pena neste filme, em que acompanhamos a jornada de Gary O'Hara (Giuliano Gemma), ex-soldado que é contratadopelo manda-chuva de uma cidade do interior dos EUA para matar um famoso bandido local, mas que na verdade se trata do irmão de Gary? Bem, além das eventuais reviravoltas do roteiro que, se não prezam pela "surpresa", tampouco são ofensivas à inteligência do espectador, temos várias ótimas seqüências de pura ação, dirigidas com segurança por Giorgio Ferroni. Mas a duração de cerca de 90 minutos parece longa perto do que o filme tem a oferecer.
Na verdade, fica a sensação de que a primeira hora de duração de O Dólar Furado é pura enrolação para a meia-hora final, de ação quase ininterrupta, e acabam fazendo o filme valer como entretenimento passageiro. Isso caso quem esteja assistindo não fique irritado com os clichês mais batidos do cinema: o vilão que na verdade é mocinho; o vilão cruel e insensível, que só pensa em si mesmo e em "esmagar" os habitantes locais; a inclusão de uma mulher na trama, que não acrescenta absolutamente nada ao filme com cuas cinco ou seis falas, além de chamar ainda mais o interesse do público predominantemente masculino para o qual o filme se destina. E isso sem falar na tentativa de Ferroni em repetir o sucesso da trilogia dos dólares de Sergio Leone, com uma abertura incrivelmente parecida com a de Por Uns Dólares a Mais e a trilha sonora repetitamente utilizando em momentos-chave evocando o trabalho de Ennio Morricone, principalmente em Três Homens e um Conflito. Mas é notória a diferença de qualidade entre as obras de Leone supra-citadas e o filme de Ferroni. Aliás, em se tratando da trilha sonora, muitos que ainda não tenham assistido ao filme podem reconhecê-la. Afinal de contas, Quentin Tarantino a utilizou no ótimo Bastardos Inglórios, em meio a outras referências cinematográficas típicas do diretor.
E, só para constar, as atuações beiram o nível do patético. Tudo bem que os personagens são caricatos e sem profundidade alguma (mesmo o filme mtendo sido feito só para diversão, um melhor desenvolvimento dos personagens não seria pedir demais, né?). Mas é realmente impressionante como todos os atores não conseguem variar suas expressões faciais, não conseguem transmitir emoção alguma e investem na caricatura. Só para ficarmos com um caso, foquemos em Giulianno Gemma, a "estrela" do filme. Reparem em como as expressões do ator são as mesmas seja quando o personagem está feliz, triste, com raiva ou ferido. E as falas são pronunciados sempre na mesma entonação. É claro que os diálogos também não contribuem, mas isso não é desculpa para uma possível acomodação do elenco em termos de inexpressividade. E também fica sensação de que foi utilizada a dublagem, ou seja, os atores dublaram eles mesmos após o fim das gravações, o que nem sempre funcionava, e pode explicar o baixo nível das atuações em O Dólar Furado.
Além das boas seqüências de ação, particularmente no ato final, em que as "surpresas" do roteiro conseguem eventualmente superar seus inúmeros problemas, vale ressaltar o bom trabalho de Ferroni na direção em determinados momentos. Um exemplo é o de quando Gary encontra o banido que ele tem que matar, mas reconhece através de um espelho que é seu irmão (artifício que imediatamente me lembrou de A Morte Passou Perto, de Stanley Kubrick, e sua famosa cena dos espelhos, embora um filme não tenha nada a ver com o outro). Há ainda alguns enquadramentos interessantes, principalmente nas cenas a céu aberto, aproveitando o bom trabalho de fotografia.
Mas então volto a questão levantada no primeiro páragrafo deste humilde texto. Afinal de contas, por que O Dólar Furado é considerado, até hoje, um "clássico" dos western spaghetti? Na época, o filme teve sua importância, inclusive alavancando ainda mais a carreira do ator Giulianno Gemma (já bastante famoso na Itália), mas nos dias de hoje é incrível como suas qualidades são limitadíssimas. Na verdade, o filme só funciona como entretenimento temporário e esquecível, e recomendável a ser assistido apenas por amantes de westerns.
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