Muitas das obras de Stephen King que sofreram adaptações cinematográficas foram notoriamente ignoradas pela mídia, devido a falta de êxito junto ao público. Alguns exemplos frustrados podem ser citados aqui, como: o enganoso e sem nexo “O apanhador de sonhos”; o entediante e interminável “Rose Red - A casa adormecida” (eficaz também em nos fazer adormecer); O inconsistente “1408”, e o insosso “Janela secreta”. Portanto, graças a esses desastrosos títulos, eu criei certa resistência às películas baseadas nos escritos de King.
É certo que não posso ser radical, esquecendo os seus sucessos, inda assim, penso duas vezes antes de prestigiar seus trabalhos.
Mas a verdade é que, como nem tudo é absoluto no mundo do cinema, eu me surpreendi com uma de suas recentes adaptações, dirigida pelo também roteirista Frank Darabont, denominada como “O nevoeiro”.
O diretor Darabont parece ter se tornado um especialista em dar vida às obras de Stephen King. Em suas três experiências – “Um sonho de liberdade”, “À espera de um milagre” e “O nevoeiro” –, ele, unanimemente, obteve consideráveis acertos. E o mais curioso com relação aos três filmes é que a sensação de “confinamento” está relacionada em todos eles. O que nos mostra a uniformidade na forma de o diretor francês trabalhar.
Bom, o longa “O nevoeiro”, estrelado pelo “justiceiro” Thomas Jane, foi realmente pra mim uma grande surpresa. Eu não alimentava qualquer expectativa em relação a esta produção. Eu até me lembro de uma versão antiga de título homônimo de John Carpenter, em que consistia-se num terror habitado por almas vingativas e mortíferas que agiam contra uma cidade portuária, ocultos em meio a um tipo de névoa.
A princípio eu pensei que “O nevoeiro” de Darabont fosse um remake deste clássico do terror, tipo, uma espécie de retratação à horrorosa refilmagem de 2005, “A névoa”, mas não é. Não existe ligação entre os dois e o produto de Darabont é simplesmente muito melhor.
Em primeiro lugar, “O nevoeiro” foi divulgado como sendo um filme de terror... não que seja enganosa tal informação, mas todo o, digamos, “terror” da estória é apenas um pretexto para se aprofundar em um tema muito mais denso: o comportamento humano perante o desconhecido.
A estória do filme se passa, obviamente, em uma cidade pacata dos EUA, enfocando o personagem David Drayton (Thomas Jane), ilustrador de cartazes de filmes de Hollywood, que mora com a mulher e um filho pequeno.
Após uma forte tempestade, resultando em alguns estragos consideráveis em sua casa, ele, o filho e o vizinho, também prejudicado pelo temporal, vão até um supermercado próximo atrás de materiais para o conserto. E a partir daí eles ficam enclausurados no tal supermercado, com mais um grupo de pessoas que também estavam à procura de suprimentos, devido a um bando de criaturas grotescas e sanguinárias, envolvidas por uma espécie de névoa, que está ameaçando-os mortalmente do lado de fora.
Inicialmente, parece ser uma estória comum, com os aspectos peculiares de Stephen King, no entanto, vai além disso. Os vilões são sugeridos no primeiro ato do filme (nenhum é mostrado por inteiro), e Darabont, sem rodeios, se empenha em mostrar quão diversas são as reações e os conceitos de cada um dos indivíduos trancafiado ali.
Alguns beiram o desespero; outros, de forma extrema, se apegam a fé e arrastam outros com ele; outros se mantêm inertes; enquanto outros, com espírito de liderança, obstinam-se em escapar, não importando como. E sob tal variedade de sentimentos, o filme se segue linearmente tenso e limítrofe, assustando mais pela estupidez dos seres humanos, do que pelos próprios monstros. Todavia, não se podem menosprezar as criaturas, são elas realmente assustadoras, ainda mais por não sabermos ao certo o que elas são e de onde vem.
De qualquer modo, a sensação de agonia e ansiedade toma conta do evento. Ponto positivo para a trama.
O melhor de tudo é que todos os recursos utilizados aqui são condizentes com o que a estória que passar. Das tantas qualificações, temos os diálogos perfeitos e bem alinhados; o visual assustador; os efeitos muito bem produzidos; o clima inquietante e a precisa trilha sonora.
Outra questão a favor do longa, são as atuações bem acima da média. Destaque para a indômita religiosa Sra. Carmody, interpretada por Marcia Gay Harden, que rouba a cena, ainda que sua fanática personagem tenha um comportamento manipulado, sob a idéia errônea de que todo religioso é irracional e com tendência homicida. Fora isso, seu papel é esplêndido e quase ofusca o elenco por inteiro. Pode-se dizer que, ela é o ponto chave para todos os desvarios causados entre os presentes no local, responsável também por formar dois grupos antagônicos, por a mesma acreditar ser a “enviada de Deus” para aquela situação apocalíptica, em que todos devem ser incitados por ela ao arrependimento – as figuras monstruosas segundo sua visão, representam o castigo de Deus como expurgo aos pecados dos habitantes da cidade.
Agora, o ápice do filme se dá mesmo em sua resolução altamente amarga e, digamos, pungente que, possivelmente, não agradará aos massivos espectadores. Estes acostumados a soluções fáceis, podem se decepcionar, contudo, eu adianto que não poderia ser melhor, graças a ousadia, inovação e imprevisibilidade da direção em não se deter pelo desfecho original do livro. Atitude bastante corajosa.
Até Thomas Jane, elogiável aqui, se superou no papel por normalmente sua interpretação soar um tanto inane.
A derrapada que o mesmo dá no último ato, com sua tépida reação diante do áspero ocorrido (que não posso sob hipótese alguma contar) consegue ser relevada, visto que, seu esforço durante todo o longa foi notável.
O argumento para a razão do nevoeiro, ainda que especulativo, foi o único ponto irregular da estória, no entanto, essa lacuna não desmerece o filme que, sinceramente, me divertiu e me surpreendeu.
Enfim, esta concisa estória merece ser vista e avaliada sob a visão pessoal de cada um. Com certeza, várias lições podem ser tiradas por intermédio deste roteiro muito bem dirigido e mais do que recomendado.
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