Quando assistimos um filme baseado em um livro que já lemos, nossa impressão é sempre diferente de alguém que desconhece a história. Ou odiamos, porque o filme não conseguiu se manter fiel aos objetivos do livro, ou amamos, porque ele conseguiu transpor para a tela tudo o que imaginamos quando folheamos suas páginas. Eu li Adeus China: O último bailarino de Mao, e adorei. E adorei o filme também, porque poucas vezes tive a sorte de assistir a um longa tão fiel ao livro que lhe deu origem.
O filme traz a história de Li Cunxin, um bailarino chinês que foi recrutado aos 11 anos de idade para fazer parte da Academia de dança de Madame Mao, na época em que a China passava pela Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. Devido a uma visita do presidente dos EUA Richard Nixon à China, as relações dos dois países se estreitaram e, por isso, foi possível um maior intercâmbio entre eles, inclusive de artistas. Li Cunxin, já crescido, foi quem chamou atenção de Ben Stevenson, diretor do balé de Houston em visita à China. Foi convidado a passar uma temporada no Texas dançando com a sua companhia, acontecimento que mudaria sua vida para sempre.
Li muitas críticas dizendo que a história de Adeus China é um clichê, afinal, nada mais óbvio do que um camponês pobre que sai de uma província chinesa minúscula (Qingdao) e acaba tirando a sorte grande de cair em uma cidade capitalista, cheia de riquezas, e se deslumbra com isso tudo. O que muita gente esquece, porém, é que se trata de uma história real. O livro é uma auto-biografia, escrita pelo próprio Li Cunxin, e ele mesmo descreve como ficou pasmo quando se deparou com os arranha-céus e uma ‘máquina que cuspia dinheiro’ (caixa-eletrônico), e o sentimento de angústia que tinha ao ver Ben gastando em um dia uma quantia muito além da que seu pai demorava um ano para conquistar nos campos da China.
Também tendemos a esquecer que a China de Mao Tsé-Tung era diferente da China de hoje. Extremamente fechada, às crianças só era permitido estudar o Livro Vermelho de Mao na escola, e a ideologia do regime comunista fazia uma verdadeira lavagem cerebral, levando todos a acreditarem que os norte-americanos e demais povos de países capitalistas viviam na extrema miséria. Óbvio que, para tornar o choque cultural ainda maior, Li Cunxin foi parar em uma companhia de balé, e teve contato com pessoas de classes muito mais altas do que estava acostumado.
O filme é uma bonita história de superação, dirigido com delicadeza e sensibilidade. Pude notar em cada cena elementos explorados no livro, como o papel de parede de jornal da sua casa em Qingdao, seu relacionamento problemático com Elizabeth, e o diálogo em uma danceteria em que ele fica assustadíssimo quando percebe que um norte-americano está falando mal do presidente em voz alta, sem medo de repreensões. Faz, sim, parecer que os Estados Unidos são a terra maravilhosa da liberdade, mas talvez para aquele recém-chegado da China comunista, realmente fosse.
Destaque para a música, os cenários e o figurino, impecáveis. Chi Cao, que interpretou Li Cunxin na fase adulta, também tem seu mérito no sucesso do longa: novato nas telas, ele conseguiu transmitir tudo o que eu esperava do personagem – sem contar as belíssimas cenas de balé, filmadas pelo próprio. Vale lembrar que Chi Cao é formado na Academia de Balé de Pequim e foi selecionado pelo próprio autor porque é filho de dois professores de Li Cunxin na época em que ele dançava na China.
O último dançarino de Mao equilibra perfeitamente a política com o romance, a dança com o pesar dramático, e traz um final fantástico, digno de filmão. Segure as lágrimas para não chorar.
Feeling: história de vida. Vá de cabeça aberta e lembre-se que nem tudo que parece clichê necessariamente o é, e se deixe levar pela música linda, pelo personagem fantástico, e pela história surpreendente. Deixe-se emocionar.
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