Filth é uma adaptação literária de mesmo nome, escrito pelo escocês IrVine Welsh, controverso escritor que ficou mundialmente conhecido no cinema após a adaptação para as telonas de outro livro seu, Trainspotting (1996). As semelhanças entre os dois filmes são de fácil percepção, em ambos a critica ao vazio da sociedade contemporânea é o tema central das obras, em Trainspotting esse vazio leva os personagens as drogas pesadas, suas vidas são tão sem sentido ou dispensáveis quanto suas alucinações vazias e perdidas, e a hipocrisia moral tanto da sociedade como um todo quanto dos próprios personagens principais é criticada. Já em Filth essa critica é muito mais intensa graças a grande direção do novato, mas promissor, Jon S. Baird que consegue desenvolver tanto o personagem quanto a trama de uma forma impecável.
Bruce Robertson (James McAvoy) é um policial viciado em drogas, misantropo e bipolar que vê, depois de um terrível assassinato, uma oportunidade de ganhar uma promoção no trabalho, essa promoção é desejada por vários policias que Bruce vai tentar a todo custo desmoralizar e tira-los do seu caminho. Bruce é também obcecado por sexo, sua vida gira em torno de sexo e drogas. Esse comportamento fez com que sua mulher e filha o abandonassem. Ele então vê essa oportunidade não apenas como uma promoção, mas também como uma forma de recuperar sua família.
Como já tido a direção de Baird, que também assina parte do roteiro, é impecável, o humor negro carregado que ele impõe ao filme, mesmo em suas horas mais dramáticas, é impressionante e sua estilização visual é incrível, com algumas pequenas referencias a Kubrick, algo que ele não tenta esconder em nenhum momento, mostrando o pôster de 2001: Uma Odisseia no Espaço no escritório do chefe de Bruce ou com o estranho sotaque de Laranja Mecânica que o medico de Bruce, Dr. Rossi, carrega.
As atuações são incríveis, o subestimado James McAvoy entrega o melhor desempenho de sua carreira, ele carrega o filme com uma carga visceral, sua loucura é totalmente jogada em nós que não conseguimos desgrudar de sua performance hipnotizante, seus ápices, sejam de loucura ou de tristeza, são fenomenais, nós colocando totalmente dentro do filme e do próprio personagem. Mas ele não é o único que brilha, o elenco inteiro se mostra ótimo, com destaque para Jamie Bell, parceiro de Bruce, que no pouco em que aparece marca.
O roteiro é brilhante, sua força principal é exatamente conseguir mostrar sua critica de uma forma tão engraçada e explosiva. Bruce é um espelho da sociedade que está em sua volta, sem ter moralidade nem compaixão com qualquer outro. Ele não gosta de ninguém realmente, e tudo que faz é para de alguma forma se beneficiar, seja com sexo, drogas ou pelo simples prazer de ver a desgraça alheia. A superficialidade em que vive é assustadoramente real e perceptível nos dias de hoje. O personagem carrega um vazio gigantesco, e não sendo capaz de lidar com isso com maturidade tenta preenche-lo da forma mais rápida possível. Conseguindo ver esse vazio e dor gigantesco dentro de si mesmo, e não sabendo como resolve-lo, tenta de qualquer forma humilhar e destruir todos que estão a sua volta, tentando, desesperadamente, levar todos para junto de sua infelicidade e se autodestruindo cada vez mais no decorrer disso. O vemos tendo um caso com a mulher de um colega de trabalho e com a mulher de seu melhor amigo, não pelo sexo, mas sim por serem as mulheres de pessoas que gostam dele, ele humilha também seu parceiro por causa de seu pênis pequeno ou seu outro colega pela sua opção sexual, fingindo ser amigo deles, mas rebaixando-os pelo fato a todo o momento oportuno, suas mentiras são constantes, sempre para a dresgraça do próximo, ele mente para todos e mais ainda para si mesmo.
Ao decorrer da obra vemos esse vazio crescer cada vez mais e afogar Bruce, o sufocando em sua própria mediocridade, e conseguimos perceber a critica fenomenal da obra. A humilhação ao outro é do contexto da própria superficialidade que Bruce vive, percebemos que tudo aquilo que ele usa para humilhar as pessoas é tão vazio quanto o que restou dele, e no final a dor e o sofrimento da perda de sua mulher e filha é maior e muito mais importante do que a opção sexual ou tamanho do pênis de qualquer um. Todos argumentos que são supervalorizados na sociedade atual, que prioriza sempre o prazer próprio e rápido, as custas de quem for, valorizando quem faz mais sexo, quem tem o pênis maior ou quem é mais “homem” (seja la qual for a real definição de ser um) do que o amor, a fidelidade, a compaixão e o bem do próximo, numa sociedade que é indiferente a quem tenta melhora-la.
Filth é um filme hilário e incrivelmente divertido, que entretém e ao mesmo tempo critica e satiriza nosso tempo. Uma obra que infelizmente não ganhou o reconhecimento merecido, mas que ao passar dos anos talvez ganhe força e se marque como uma obra corajosa que é.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário