“Ten centuries ago, before the age of obedience, free dogs roamed at liberty marking their territory”
Assim começa a jornada dirigida por Wes Anderson, que em poucos meses arrancou lágrimas de alguns, fez críticos se encantarem (outros torcerem o nariz), despertou a ira daqueles que tacham o filme de desrespeitoso, mas que por fim, mostrou-se uma das obras mais interessantes deste primeiro semestre.
Depois do premiado Grande Hotel Budapeste, Anderson anunciou a realização de uma nova animação stop-motion. As primeiras imagens divulgadas mostravam uma estética muito diferente dos últimos filmes e radicalmente oposta a Fantástico Senhor Raposo, ultima animação dirigida pelo diretor. Com a divulgação do trailer e as primeiras sessões no Festival de Berlim, novamente ficou claro que Anderson procurara novos caminhos, sem abdicar da primazia estética e do reconhecido humor bizarro.
Em Fantástico Senhor Raposo, a animação stop-motion é utilizada no intuito de conferir uma estética distinta das animações digitais dos grandes estúdios. O resultado é um visual agradável, porém deliberadamente artificial. Talvez tal estética tenha sido procurada para dar ênfase em uma das questões centrais do filme, a constante tensão entre aquilo que é genuíno e aquilo que é artificial (Animais que se vestem e agem como humanos, mas sem deixar de ser animais). Em Moonrise Kingdom e O grande hotel Budapeste as cenas que usam essa mesma técnica nos transportam para o mundo imaginado por Anderson, e completam os filmes com uma estética artesanal refinada, afastando radicalmente a estética de seus filmes das animações toscas presentes em Viagem a darjeeling e principalmente A vida marinha com Steve Zissou. Em Ilha dos cachorros a mesma técnica é usada, mas diferente da última animação, agora o resultado é deliberadamente sublime, desde a primeira cena é impressionante o modo como os cachorros movem a boca, mas sem deixar de parecer artesanal.
Uma grata surpresa é o ritmo do filme, que por mais cadenciado que seja, é consideravelmente mais dinâmico que os últimos. Neste, constam os recursos habituais: introdução, narração, separação por capítulos, flashbacks, conclusão; mas que são reunidos de maneira fluida, de modo que do início ao fim do filme há poucas quebras de ritmo.
Uma das maiores polêmicas que envolvem o filme é em relação ao modo como a cultura japonesa teria sido apropriada e usada. É inegável que o filme faz uso de diversas obras japonesas e que alguns dos personagens japoneses são figuras corruptas e relativamente desumanizadas. Porém, também é inegável que a estética artística japonesa não é somente utilizada, ela é exaltada, quase que um modelo de perfeição que o filme procura alcançar. Há uma preocupação em distinguir aquilo que é estrangeiro e deve ser respeitado em sua particularidade e aquilo que é naturalizado e que por vezes é incapaz de compreender o estrangeiro em sua essência. Essa separação demonstra o cuidado de todas as pessoas envolvidas na confecção do filme e a total consciência do quão delicado é lidar com uma cultura distinta.
Os pontos até aqui levantados demonstram a dificuldade conceitual em realizar o filme proposto, o que tornar ainda mais admirável realizar tal projeto na prática. A complexidade teórica do filme em nenhum momento afeta a sua realização, na verdade o resultado é extremamente fluido e sofisticado, mas sem deixar de ser excêntrico e esquisito.
Por fim, a jornada do Jovem Atari acompanhado dos gentis cães abandonados, entrecruzado pelos outros curiosos personagens é uma grata surpresa tanto para os fãs mais íntimos de Wes, quanto para qualquer admirador de filmes elaborados quadro a quadro, minunciosamente pensados. Para aqueles que preferem uma experiência mais simples, o filme ainda assim pode transmitir um sentimento humano de amizade, respeito e tolerância, sem deixar de provocar a audiência.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário