O cinema realizado por Steven Spielberg é “grande”, em parte, pois os temas por ele trabalhados (e o modo como estes são trabalhados) evocam à grandiosidade, ao monumental; propõe-se que o filme deve ser “grande” para poder corresponder ao tamanho da história e a importância dos agentes nela envolvidos. O resultado pode ser extremamente satisfatório, mas também corre o risco de facilmente descambar pelo caminho mais cômodo. O resultado pode ser um épico de heróis em busca da afirmação de suas certezas e de seu olhar visionário frente a um mundo incapaz de valorizar e compreender a verdade. Em resumo, evoca um cinema composto de vícios desgastados e em processo de extinção.
The post poderia ser um filme desses. Em alguns momentos os personagens sofrem da síndrome da profecia ou da doença do altruísmo-cívico-acima-de-qualquer-coisa. Entretanto, o filme não despenca frente a tais vícios, mas sim procura novos caminhos e possibilidades, por fim, o resultado é uma obra memorável, de satisfatória coesão e que faz jus a “grande” história que conta.
O filme parece partir de um princípio: como leitores de jornal, conhecemos apenas aquilo que está presente na capa, com toda sua transparência e coesão. Os conflitos e jogos de interesse fazem parte do mundo, não das manchetes. O filme vai a fundo nas contradições do próprio fazer jornalístico: na tensão constante entre a legalidade e a ilegalidade, na seleção do que merece (ou melhor, deve) ser publicado, na ligação promiscua entre membros do alto escalão político e os dirigentes dos periódicos (sejam elas econômicas ou afetivas). É nesta clara contradição que grande parte da tensão do filme se apoia; não por acaso cada um dos personagens principais está envolto por preocupações distintas: as de Ben Bradlee (Tom Hanks) estão na capa do jornal, na busca da melhor notícia, da exclusividade, da verdade, do escândalo; as de Kay Graham (Meryl Streep) estão por traz da capa, na ordem das negociações, da administração, das relações, dos interesses econômicos.
O vazamento dos documentos confidenciais leva ao choque desses dois mundos, e coloca cada um dos personagens sob suspensão quanto a sua própria função dentro do fazer jornalístico: como denunciar a corrupção daqueles que nos defenderam? Ou a mentira daqueles que pensávamos dizer a verdade? Cada um deles acaba por lidar com tais duvidas desoladoras ao seu modo. Este é certamente o grande trunfo do filme. Nenhum dos personagens se torna herói, eles defendem as causas que julgam corretas, mas tendo sempre em mente o preço que terão que pagar e os benefícios que podem vir desta decisão. Kay sabe que ao aceitar publicar os documentos pode perder a empresa que tanto presa, ao mesmo tempo precisa demonstrar força e convicção para se consolidar em um ambiente de negócios extremamente oposto à sua participação. Ben procura a manchete, a melhor notícia, e sabe que tais documentos são o tão sonhado holofote que ele procurava, entretanto, tem em mente que é fraco frente ao poder e influência daqueles que enfrenta.
Toda a tensão do filme, conduzida brilhantemente por Steven Spielberg e pelas ótimas atuações de Tom Hanks e Meryl Streep (uma das suas melhores atuações em tempos), ocorre sempre que a personalidade conciliadora de Kay é colocada à prova, de modo que o futuro do seu jornal, de todos os seus funcionários e da importância do legado que herda, é posto em jogo com base em uma simples decisão: publicar ou não publicar. E é sob essa dúvida que o filme mostra a sua força, minuto a minuto, sem cair no falso heroísmo ou em soluções fáceis.
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