Contradições de um homem, de um país, de um filme
Considerando-se que Hollywood atravessa a grande crise dos EUA amargando a decadência do cinema enquanto negócio e investindo cada vez mais nas mesmas ideias, em marcas garantidas, sequências e relançamentos (para este ano, quantas já estão programadas? Pelo menos 5 que eu me lembrei agora...), é um prazer assistir a um filme que parta da ideia de uma séria crítica político-social ao status quo.
Tudo Pelo Poder de George Clooney é, nesse sentido, um refresco, mas também é, ou deveria ser, um tapa na cara de todos que, como eu, insistem a ter algum idealismo quando o assunto é política.
Em uma trama recheada de reviravoltas algo previsíveis para qualquer um com um mínimo de experiência de vida, o filme mostra o caminho de desilusão do jovem Stephen Myers (Ryan Gosling), assessor do governador Mike Morris (George Clooney) na pré-campanha presidencial deste. De jovem idealista e apaixonado pelos ideias que Morris se propõe representar, Stephen se vê envolvido nas tramas dos gerentes de campanha dos dois candidatos à indicação do Partido Campanha para a corrida presidencial, interpretados soberbamente por Philip Seymour Hoffman e Paul Giamatti. Neste intricado jogo que, muito mais do que convicções ideológicas, envolve uma disputa mortal pelo poder, o jovem ingênuo - mas que, segundo a jornalista Ida interpretada realisticamente por Marisa Tomei já tem idade para ter perdido as ilusões a respeito de políticos, pois eles sempre são decepcionantes - se depara com sedutoras escolhas que poderiam proporcionar-lhe muito poder e prazer, mas ao custo de sua integridade. E, como ele mesmo diz a uma destruída Evan Rachel Wood, que interpreta a sedutora estagiária do comitê de campanha de Morris Molly Stearns, na política não há espaços para erros, o preço de cada passo em falso pode ser sua morte política. Todavia, ao dizer isso de maneira impiedosa à estagiária, o personagem de Ryan Gosling já dá sinais de sua descida ao inferno e sua consequente adequação ao duro mundo real da política. Contraditoriamente, o personagem não se dá conta de que faz com Molly exatamente o que os mais experientes Paul e Tom fazem com ele, de seu ponto de vista egoísta, os errados foram os corruptos gerentes de campanha, não ele, que amargava uma dupla traição.
A contradição da personagem fica mais clara no confronto final, aliás muito tenso e excelentemente dirigido, com o governador Morris. Mesmo tendo ciência das falhas e desmandos do potencial candidato democrata, Stephen ainda cultiva a ilusão de que a pretensa força moral e política de um homem seria capaz de retirar o país da crise estrutural em que se encontra. Vê-se que mesmo os golpes sofridos durante a campanha de Ohio não lograram quebrar a ingenuidade do assessor, o que talvez seja um apelo do diretor George Clooney, ele próprio membro do Partido Democrata na realidade, para que a população não perca certas ilusões em relação à política, ou mesmo uma sugestão de que ele ainda as possui. Louvável que seja pretender que a grande política solucione as inúmeras questões da sociedade estadunidense em crise, essa ingenuidade esconde projetos de poder particulares, no filme representados pelo senador Thompson, interpretado por Jeffrey Wright e também pelo próprio Morris, e permite a continuidade da exploração e da opressão da grande maioria da população.
Visto por esse ângulo, tanto o personagem de Ryan Gosling quanto o filme como um todo se mostram contraditórios, pretendem-se críticos ao sistema, porém falham em desmascarar todos seus subterfúgios e, por essa ingenuidade, acabam presos às mesma corrupção que pretendiam criticar, de modo que soam um pouco inóquos.
Com uma dose de boa fé, deve-se dizer que Tudo Pelo Poder é um instigante thriller político muito bem atuado e eficientemente dirigido e, didaticamente, é interessante para se compreender o processo eleitoral dos EUA, bastante diferente do brasileiro. É apenas em relação a sua crítica política, que o filme, para um observador mais atento, falha, como, aliás, deveria mesmo falhar, uma vez que parte do próprio projeto político democrata (uma amálgama de liberalismo e social-democracia muito mal arranjada) que não vem conseguindo, através do Morris da vida real, o presidente Barack Obama, dar as respostas que Stephen Myers tão desesperadamente procura em seu ídolo.
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