Assim que vemos o olhar distante e reflexivo de Frank White (Walken em uma atuação fantástica) ao sair da prisão por longos anos, temos a certeza de que aquele homem irá buscar com muita astúcia o posto que é seu, apagando traficantes e policiais que atrapalharem seu caminho. Já nos primeiros planos-sequência que Ferrara faz quando White sai da prisão, temos a absoluta certeza de que King of New York fará das imagens, da Trilha Sonora, bem como também das expressões faciais de seu protagonista não apenas uma diretriz por onde caminhar o filme. Vendo todos os mínimos detalhes dessa obra-prima de Abel Ferrara, temos certeza que aquela luz azul neon que pontua o filme desde quando White sai da carceragem, ou aquele encerramento de plano com o fechar das portas do presídio, tudo, absolutamente tudo feito por Ferrara, nos encaminha de maneira contemplativa para aquele mundo degradado, violento, real, fantasioso, sujo e fascinante.
Todas as inúmeras facetas compostas para cada situação, seguem a ordem natural da trama, nada é vão. Nem mesmo quando Jimmy Jump (Laurence Fishburne na melhor atuação de sua vida) ri daquele que acabara de meter-lhe um punhado de balas, nada disso soa falso diante do magnífico universo que Ferrara veio criar. Universo magnífico, mas não menos que real, seja pela coragem quase niilista de Frank White, seja por ele está sempre freqüentando os mesmos lugares de pessoas da alta cúpula da cidade.
O filme por si só já é um evento de extrema grandeza. Seja pelos cuidadosos e precisos planos de Ferrara, seja por seu roteiro quadradinho e eficaz no que remete a direcionar a trajetória de White, seja na metáfora da cor azul, que quase sempre mostra as ruas de Nova York, degradantes e entupidas de viciados de todos os tipos. Não obstante, temos Christopher Walken em uma atuação quase mítica de um personagem fantástico, daqueles raramente vistos. Se em os Viciosos o grande destaque dos diálogos foi a forma contundente ao mesmo tempo em que ousada de como conceitos filosóficos/existencialistas eram discutidos, aqui, o escárnio de Ferrara é direcionado a hipocrisia social, mas não apenas ela. Impossível não ver em Frank White uma discussão muito mais que profundo sobre coragem, honra e, acima de tudo sinceridade.
Se não bastasse tudo isso, Ferrara mostra-se um puta diretor de cenas no mínimo fodas, explorando ao máximo o poder de suas imagens. A cena do tiroteio em Chinatown, o começo, o final, a cena em azul que é seguida por uma perseguição na chuva absurdamente bem filmada. O filme não perde o fôlego nunca, ao mesmo tempo em que nunca soa descompassado.
Ao final dessa obra-prima absoluta e que seria o ponto de partida na melhor década de filmes de Ferrara, a situação de estar de frente de algo imortal quanto a sua capacidade de criar símbolos, é fascinante.
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