Baseado em musical estreado na Broadway em 1967, Hair é um musical crítico ao mesmo tempo em que enérgico sobre um importante período da história estadunidense. O filme apesar de datar de 1976 conseguira adesão do público jovem, justamente por retratar de forma diferenciada àquela época, sem preconceito com os temas que foram tabus naquele contexto: sexo livre, homossexualidade, drogas, liberdade dos vínculos familiares, Guerra do Vietnã etc. O grande potencial do filme de Forman é justamente essa abordagem descolada sobre esses jovens um tanto perdidos a vagar por essa América que insistia em não os acolher através de seus ideais belicistas e conservadores.
O filme começa com um plano belíssimo de uma casa rural coberta de neblina. De lá vemos sair nosso herói – tão deslocado da cidade grande quanto o cowboy de Perdidos na Noite -, o jovem Claude (John Savage), convocado para a guerra do Vietnã, partindo para uma Nova York musical e colorida, cheia de grupos hippies. Berger é o exemplo de personagem extremamente tratado na literatura mundial: o jovem humilde do campo, que depara com uma realidade não acolhedora na cidade grande. Os outsiders,e por sua vez também excluídos da sociedade – claro, para esses jovens tão condição era uma escolha efetuada, visto que muitos deles entediavam-se com a vida médio-burguesa que tinham -, hippies liderados por Berger (Treat Williams) acolhem a Claude, são seus primeiros amigos. O grupo é composto do já citado Berger, filho de burgueses tradicionais, e que fugira de casa; um negro; uma jovem grávida que não sabe quem é o pai da criança, além de outro jovem.
Juntos, alheios à sociedade capitalista queimam cartas de convocação, cantam músicas de sacanagem (“Sodomy, fetatio, cunnilingus, pederasty, father… why do these words sound so nasty?”) para moças burguesas em seus elegantes que andam de cavalo pelos parques. São adeptos do sexo e das drogas livres. Acima de tudo, estão inseridos em um contexto de contestação por parte dos jovens daquele sistema conservador pautado pelo american way of life, que desde os anos 50 recebiam críticas por parte do movimento beat. Interessante pensar também, que em tais jovens – ao contrário da juventude francesa? – pregavam um desprendimento para com ideologias políticas. Através do comunitarismo – não confundir com socialismo, cada vez mais abalado com os abusos contra a liberdade dos governos soviéticos e chinês – tais jovens esperavam viver sem preocupações com o insano mercado capitalista, buscavam a paz e o amor.
Entretanto, o filme faz uma crítica incisiva não apenas à sociedade, mas, sobretudo ao governo, representado na barbárie da Guerra no Vietnã. Crítica ácida e não menos que atual, é desferida contra o exército, através do número musical Black Boys/White Boys, onde é mostrado um grupo de soldados do alto escalão e suas atrações sexuais por homens do mesmo sexo e cor diferente. Ou mesmo no sentido autoritarista dos militares que fuzilam os auto-falantes da base militar quando esses entoam músicas pacifistas.
A solução para tais problemas, como o fato de nosso herói ir para o Vietnã se dá através da fuga, embora o final trágico pareça apontar para uma inevitabilidade desconfortante, onde a máquina governamental e a sua sede de guerra acabará por destruir indelevelmente um de seus filhos, mesmo que este não compartilhe daquela idéia insana de guerra. Resta chorar em frente às incontáveis cruzes de uma sociedade capaz de lançar para o outro lado do globo seus jovens – em sua maioria eram pobres e negros, párias. Antes disso, na realidade aqui, no mundo burguês-capitalista, a fuga se dá tanto no plano do desprendimento, quanto no “curtir a vida”, através das viagens psicotrópicas de drogas como LSD, ou do sexo descompromissado. Muito embora, já antes do ano emblemático de 1968, o desalento caia na consciência de alguns: Godard em seu “A Chinesa” (1967) trabalhava uma impossibilidade de revolução dada a falta de projeto daquela juventude; ou mesmo os Beatles na canção “Revolution” (“Você diz que quer revolução, todos nós queremos mudar o mundo. Você diz que tem a solução real, adoraríamos ver o plano”).
Hair consegue expor um mosaico; trata do surgimento do orgulho negro enquanto movimento, da mulher enquanto ser livre da submissão masculina, dos jovens em geral contra a sociedade conservadora capitalista, sem, entretanto, perder o viés de crítica social. Sendo assim, cada canção de Hair agrega um tom de hino emblemático de uma época. Sons que buscavam sacudir como um vendaval àquela sociedade.
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