Não é preciso assistir mais que dois ou três filmes do cineasta austríaco Michael Haneke para perceber um propósito muito específico em sua filmografia, que está por trás de cada ponto morto da narrativa, de cada plano que parece durar mais do que deveria e de cada silêncio: a intenção de atingir. Violência Gratuita, um de seus mais conhecidos, serve para entender o quão demarcada é a proposta de cinema desse diretor, que faz com que seus trabalhos funcionem quase que exclusivamente para quem compra o apelo e se entrega à discussão moral. Aqui, não foi meu caso.
Para discutir a tal violência gratuita, através da história de uma família enclausurada numa casa de campo e atormentada por dois jovens maníacos, Haneke explora o voyeur e coloca seu espectador, passivo, sobre uma via de mão dupla: um suposto prazer velado ao ver os pais e o filho pequeno serem torturados e uma angustia por ver aquelas imagens, testemunhar aquela situação apavorante de braços cruzados. Quer dizer, seria essa teoricamente a proposta, caso o diretor não passasse o filme inteiro à base do pré-julgamento, da denúncia inflamada, como se as “brincadeiras divertidas” (ou Funny Gamês, no original) que os sádicos fossem essencialmente para nos colocar no lugar de cúmplices – obrigatoriamente condescendentes com o espetáculo de horrores.
Sim, porque para Haneke ao que parece a segunda opção, de compartilhar da angústia e da aflição dos personagens e torcer pelo bem-estar deles, não é viável, e o diretor sempre trata de nos colocar nesse desconfortável lugar de testemunhas quase criminosas, em defesa de um discurso maior sobre como a mídia e a sociedade consomem a violência, como ela é prazerosa até que rompa a nossa porta, entre na nossa casa e ameace botar uma bala na cabeça do nosso filho. Mas não deixa de ser irônico que a carapuça de sádico que ele tanto insiste em vestir no público, é a mesma que ele mesmo tem na cabeça, e o seu cinismo contamina muito das ideias do filme.
Não há nada de errado em querer falar sobre as mazelas sociais e ainda exercitar a estética como Haneke faz aqui (os cortes secos, a tela escura, a imagem sendo “rebobinada” diante dos nossos olhos como quebra de expectativa), embora seu esforço aconteça por propósitos bastante simplórios. No fim, a discussão sobre a violência não evolui, assim como os personagens, que servem apenas como meros fantoches nesse jogo de perversões que, particularmente, ganha pontos pela forma como cria a atmosfera e trabalha a tensão, nunca por seu debate social e psicológico, como pretendia o diretor.
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