Ainda no início do filme, ouvimos da boca do personagem principal, consciente de sua função de narrador e da nossa presença como espectadores em mais uma dessas quebras da quarta parede típicas de Woody Allen, que o que estamos para ver não é, em absoluto, um daqueles feel good movies ao estilo americano, por mais que a fotografia radiante e a música calorosa pareçam contradizê-lo, e nós, acostumados às aconchegantes comédias de verão, esperamos realmente que o faça. Mas Allen – ou Boris Yellnikoff, seu protagonista e alterego, como habitual –, definitivamente, não está para brincadeira.
Este Tudo Pode Dar Certo, mesmo vestindo a manta de filminho agradável de matinê, chega a ser quase tão desolador quanto as recentes incursões do diretor na tragédia, como o bom O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream, 2007) e no excelente Ponto Final – Match Point (Match Point, 2005), justamente pela forma descarada com que o discurso pessimista de Allen sobre conformismo (perdido na tradução brasileira, mas presente até no título original Whatever Works, algo que pode ser traduzido livremente como “o que der certo” ou “o que funcionar”) se apresenta, se impõe e subverte a sua imagem adocicada e enganadora comédia romântica qualquer.
O protagonista, vivido pelo impagável Larry Davis, pensa e diz as maiores barbaridades e pensamos, na lógica dos clichês de gênero, que a relação que estabelecerá com uma adorável moça (interpretada por uma divertida Evan Rachel Wood) que acolhe o fará reavaliar suas posições e tornar-se um homem melhor, entendendo que talvez por baixo daquela carcaça dura exista um coração bondoso, e nos apegamos a esses conceitos fáceis, mesmo que o filme já tenha se despido deles desde o começo. O pessimismo do velho rabugento não só diz bastante do que o diretor propõe com esse falso feel good movie, como também fala de Allen como homem e artista (Boris, afinal, não é nada senão um espelho de seu próprio criador), reforçando uma amargura e uma melancolia que preenche seus filmes recentes, reflexos talvez de um sujeito cuja proximidade com a morte está lhe dando uma perspectiva cada vez mais triste sobre a vida e as pessoas.
Mesmo conversando com os temas que percorrem a carreira do diretor e tendo aquela neurose recorrente, este filme talvez não tivesse a mesma intensidade se fosse feito em qualquer outra fase criativa do diretor (aparentemente, o roteiro havia sido escrito na década de 70, mas foi engavetado e só recentemente revisto e produzido) que não essa dos criticados anos 2000 – dos quais, diga-se, Tudo Pode Dar Certo é um dos melhores representantes em se tratando das obras de Allen -, porque a falta de esperança e destempero do protagonista que dão a tônica dessa comédia encontraram respaldo perfeito nesse Allen atual, já com seus setenta e poucos anos, que, assim como ele, parece enxergar que chegou a um momento na vida em que não há muito mais o que fazer do que se deixar levar e aceitar o que ela tiver para oferecer, seja lá o que for.
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