Muito se disse e ainda se dirá a respeito de Psicose (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock, ao longo dos anos. Das influências que exerceu sobre o cinema contemporâneo até a importância fundamental sobre o gênero nas últimas décadas. O caso é que muito além de estabelecer padrões e estruturas inéditas para o horror, o filme é uma reavaliação que o cineasta faz sobre sua carreira, sobre o que seu público aguarda de seus trabalhos e o que ele mesmo conseguiu construir até então. Não obstante, a obra ganhou reconhecimento justamente pela forma inovadora como desata as expectativas e traças rumos que até ali não poderiam ser imaginados.
Pelo menos não para a carreira de um diretor como Hitchcock que, mesmo tendo em seus suspenses um truque a postos que fizesse os caminhos de suas narrativas modificarem (Um Corpo que Cai [Vertigo, 1958] caberia aqui como definição), nunca ousou alterar totalmente o ponto de vista de suas histórias, ao ponto de saltar de protagonista com uma facilidade inacreditável. Fazer com que o espectador siga uma linha narrativa que se partirá com pouco menos da metade da projeção é realmente uma opção audaciosa, não sendo muitos os que conseguem preservar a mesma qualidade que se fazia presente até tal modificação – e Hitchcock obtém êxito.
Psicose parece ser uma espécie de “desconstrução” dos padrões do cinema de seu diretor (funcionando também como testamento de sua carreira), propriamente dos modelos que seus filmes mais famigerados haviam construído: do protagonista incriminado por algo que não cometera (Intriga Internacional [North by Northwest, 1959]; Disque M Para Matar [Dial M For Murder, 1954]) às inevitáveis desconfianças que pairam sobre o ar (Janela Indiscreta [Rear Window, 1954]; Festim Diabólico [Rope, 1949]). Há aqui os elementos que o diretor difundiu por entre sua filmografia, embora muito mais tênues do que de costume. Fora o texto, a trilha, as interpretações, Hitchcock atribui, como sempre, um valor incalculável à imagem – ela fala pela própria história (momento da revelação), dá forma física aos nossos temores (a visão sempre ameaçadora da casa dos Bates), confunde nossas noções sobre o que é realmente real ou fruto de uma demência (as aparições sombrias e repentinas do psicopata).
Falando na força da imagem, chegamos ao ponto pelo qual o clássico ganhou absoluta notoriedade: a cena do assassinato no chuveiro. O momento da morte do personagem é a morte também das expectativas que a narrativa havia feito o público alimentar até então, e para concluir essa ideia, Hitchcock se vale de uma consonância perfeita entre trilha sonora, movimentos de câmera e a atmosfera de tensão que foi capaz de dar vida. E neste ponto de alteração dos padrões estabelecidos, sintetizado por essa cena em particular, outro trabalho do diretor que muito se aproxima do que Psicose conseguiu concluir é Os Pássaros (The Birds, 1963), onde ele flerta com o lado sobrenatural e inexplicável da realidade, fugindo por completo dos moldes de suspenses que havia comandado. Dessa maneira, ao passo que reavalia a filmografia do Mestre do Suspense, Psicose também legitima seu modo de construir o cinema, fazendo com que a plateia creia que, mesmo com todo o baralho que já apresentou enquanto diretor, Hitchcock ainda foi capaz de tirar uma nova carta da manga e surpreender mais uma vez.
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