Por que ao viver o presente, as pessoas insistem em olhar o passado? O que há no pretérito de tão incômodo, que a cada passo andado para frente, as pessoas costumam deslocar sua visão para trás? Estes questionamentos estão presentes no dia-a-dia de todos nós, que nos movemos para frente, analisando e comparando sempre com os feitos e derrotas que já construímos ao longo do nosso percurso de vida. Em Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go, 2010) é abordada a realidade, com os pés fincados na fantasia, para demonstrar nossa fragilidade ao depararmos com as implacáveis forças do tempo. A trama conduz a melancólica trajetória de três crianças, que estão inevitavelmente interconectadas por um irreversível destino em comum.
Não me Abandone Jamais utiliza essa improvável interação entre romance dramático e a ficção científica a seu perfeito benefício, tecendo uma trama, principalmente, em prol de sua platéia, tocando profundamente em sua emoção e em seus estímulos sensoriais. O filme ainda promove uma belíssima e consistente mensagem reflexiva após o desfecho de sua projeção, fazendo com que seu espectador retorne a mesma questão que, eventualmente, move os cursos da trama: o que somos nós em meio ao poder que o destino exerce sobre nossa existência?
A trama, baseada no romance “Never Let Me Go”, escrito pelo autor japonês Kazuo Ishiguro, narra o percurso de vida de três garotos: Kathy, Tommy e Ruth, que durante sua infância tornam-se muito próximos um do outro, em decorrência de estudarem em um mesmo colégio internato durante as décadas 70 e 80. Cada qual possuindo uma personalidade distinta do outro. Kathy é uma garota doce e meiga; Tommy é um menino introspectivo e instintivo; e Ruth, por sua vez, é uma garota arrogante e insegura. Nesta aproximação entre eles, eis que surge um relacionamento entre Tommy e Ruth, que se dá por iniciativa da garota, mesmo sabendo que sua amiga o ama desde muito. Mas o destino agirá sobre a vida e a jornada de cada um deles, ao descobrirem que todos naquele instituto foram “criados” para um sistema de doação de órgãos, e sua expectativa de vida é de no máximo trinta anos, ou quando não resistirem mais as inevitáveis doações.
Há então uma inexplicável passividade em relação ao destino por parte dos personagens; estes, sendo na verdade, clonagens feitas apenas com o propósito de doar seus órgãos, até que não resistam mais as sessões de operação. Quando adultos, Ruth e Tommy são submetidos ao início destas cirurgias de extração, enquanto Kathy torna-se uma “cuidadora” - o que retarda seu processo de doação -, ou seja, uma pessoa responsável em auxiliar psicologicamente os doadores, para assim, amenizar a condição inevitável a qual são submetidos.
A narrativa da trama é recitada de forma poética, em total integração com a forma que Mark Romanek conduz as páginas do livro para sua adaptação cinematográfica. Não Me Abandone Jamais exala a dor e a tristeza por entre todas as suas cenas, tanto pela melancólica com que trama desenvolve os fatos, quanto pela reflexiva mensagem central, que se propaga em nossa mente durante, e mesmo após o fim da projeção. Carecia-se de talento para não converter uma estória tão bela e impactante, em um mero exemplar de cinema melodramático. Romanek obteve tato o suficiente para enaltecer o brilho e o esmero que a matéria-prima que tinha em mãos possuía, e assim, construir uma, certamente, digníssima adaptação para o cinema.
É duro observar a reação de todas aquelas crianças ao saber dos eventos que o destino as aguarda. O que você sentiria ao saber que foi feito para morrer? Estes são os debates constantes que o filme descarrega nas costas do espectador. Um realismo que ainda que fantasioso e virtual, penetra profundamente em nossos instintos mais primários, como seres humanos. Trata-se de algo muito maior que um “filme romântico”; é sim um exemplar da crueldade que a pré-destinação exerce ao ser imposta de maneira crua e cortante na vida de cada um dos seres - neste caso, ao saberem que não terão futuro tão longo -, tal crueldade que acompanha o filme durante todo seu tempo de duração.
Para sustentar essa proposta de dor e sofrimento, foi escalado um jovem e competente elenco, que pontua as inúmeras virtudes desta obra e conferem uma maior profundidade aos respectivos papéis que aqui desempenham. Carey Mulligan reflete uma performance louvável a sua protagonista Kathy, ao saber interpretar cada um dos aspectos internos da jovem, desde sua dor duplicada – por saber que sua morte está próxima, e que seu amado está nos braços de sua grande amiga. Keira Knightley entrega-se a seu papel como Ruth, em uma bela atuação, onde transpira a tristeza necessária para completar os sentimentos da jovem, desde sua insegurança ao seu instinto de superioridade, apresentado através de sua nítida soberba. E por último, Andrew Garfield, onde ele demonstra ser um grande ator, ao apresentar força carisma precisos a seu papel, como um personagem triste e sentimentalmente fechado; eventualmente, concluindo este grandioso triângulo de atuações.
Não Me Abandone Jamais carrega uma essência densa e triste sobre a implacável potência do tempo, onde se há uma determinação cronometrada para aqueles jovens condenados buscarem tentar ajustar os sentidos de suas vidas. Este então é o motivo pelo qual Kathy costuma olhar sempre para o passado, pois é esta a maneira que ela encontrou para poder construir, a partir de seus erros e pendências, alicerces que sustentaram seu futuro, pois mesmo que tenha nascido com prazo de validade, ela pôde desfrutar os anos de sua vida com o amor e os sentimentos necessários para preenchê-la eternamente.
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