Para iniciar esse texto vou recorrer primeiramente ao antigo clichê do formato mockumentary adotado por n produções hollywoodianas, sobre como essas se valeram da porta aberta por A Bruxa de Blair (ou reaberta, tanto faz) no fim da década de 90. E chega a ser espantoso como o sucesso abocanhado por um projeto pouco ambicioso e estruturalmente simplório até hoje dá linha a filmes, franquias, etc., que navegam por essa maré – e não falo somente pelo grandioso retorno financeiro, mas por uma nova maneira – e eficaz – de assustar, de conseguir brincar com nosso imaginário e, enfim, de modelar outra cara para o terror.
O folclore macabro que os diretores/roteiristas construíram sobre àquela floresta nos Estados Unidos se tornou tão incrivelmente palpável que mesmo ao sabermos que toda a criação não é nada mais que uma farsa muitíssimo bem bolada (uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, não é assim?), ainda somos sugados pela tensão exalada daquelas matas misteriosas e pela angustia que cresce a cada caminho andado em círculos ou barulho noturno que embala o pesadelo aqueles três jovens. Se tatearmos hoje por algum site de navegação encontraremos a lenda “real’ da bruxa de Blair disseminada, como se o filme conseguisse, por mais estranho que pareça, a proeza de fazer com que fosse perpetuada uma grandessíssima mentira, estimulasse um medo que surgiu apenas como idéia para o enredo de uma produção.
E dessa enorme leva de fitas se pretendem extraídas de um “possível” material real, A Bruxa de Blair, talvez, seja o que conseguiu simular uma atmosfera mais próxima do desejado, fazendo com que acreditemos na veracidade do cenário bolado com tal poucos recursos. O fiapo de história que, sinteticamente, abrange a “estadia” daqueles três universitários na cidade/floresta onde o mito da bruxa maldita está mais em voga pode ter seus eventuais tempos de marasmo, especialmente quando começa todo aquele blá blá blá em torno da privacidade exigida pelos rapazes, da (oportunista) mania da líder do grupo em gravar passo a passo daquela trajetória – ainda que isso se justifique um pouco devido ao objetivo que os trouxeram ali –, mas quando o filme aposta no pânico que surge de cada uma das sequências noturnas (especialmente, quando barulhos são ouvidos da barraca), ou mesmo na exaustão sofrida pelos tantos e tantos quilômetros andados atrás da própria sombra, ele mostra sua força.
É claro que algumas atitudes dos personagens jamais se explicam, mesmo quando todo o cansaço começa a abalar o raciocínio, se revelam oportunas tão somente dentro das intenções do roteiro, abandonando a coerência que o filme tanto defendia. Mas, acima de qualquer deslize textual, o verdadeiro ponto onde A Bruxa de Blair merece destaque está em sua estética apropriadíssima, que assume as tonalidades ideais para rimar com seu clima invariavelmente sombrio. A floresta, maior palco das atrocidades que a bruxa cometera, como reza a lenda que trouxe os estudantes ao local, adquire ao dia um tom sépia, devido ao amadorismo da câmera, e a noite é engolida por uma escuridão sempre ameaçadora, em que qualquer vulto ou imagem acidentalmente capturada se equivale a um fantasma circundando a área. Fazendo tudo aquilo, por um minuto que seja, parecer estranhamente real, verdadeiramente diabólico e certamente temeroso, talvez até quando acendemos a luz. O que a criatividade não faz, não é mesmo?
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