Vendo e revendo este filme eu chego muitas vezes a pensar em como o terror regrediu. São tantas apelações, tanto sangue e tripa, fantasmas e absurdos que acabam esquecendo do principal: do terror. O Iluminado mostrou que não precisamos ver cabeças rolando, tripas voando, fantasmas aparecendo e criaturas horrendas para nos perturbar.
O Iluminado não é um filme de sustos ou de se encolher no sofá, mas é de perturbar, de temer do que uma pessoa é capaz, de pensar que um homem que sempre nos amou e protegeu pode se transformar em um insano querendo nos matar.
A trama do filme gira em torno do psicológico, com uma pitada de sobrenatural. O lendário Jack Nicholson interpreta Jack Torrance, um escritor que aceita ser zelador de um grande hotel do Colorado em pleno inverno e leva a esposa, Wendy (Shelley Duvall) e o filho Danny (Danny Lloyd) juntos. No hotel, houve no passado um episódio trágico em que um homem sofreu da "febre da cabana" e matou suas filhas com um machado. Torrance soube desta história mas ignorou. E com o passar do tempo, devido à baixa temperatura e ao isolamento, a sanidade de Jack Torrance começou a degradar, tornando-o aos poucos mais agressivo e perigoso.
Em grande parte dos casos, quando um filme é baseado em um livro/conto/quadrinho, exige-se muito para que consiga igualar-se à obra original. Exige-se mais ainda para superar; uma árdua tarefa, que poucos diretores conseguem. "O Iluminado" é um destes raros casos, baseado em um dos primeiros livros de Stephen King, com o mesmo nome.
Stephen King consegue criar histórias de horror que funcionam em folhas de papel, devido ao nosso campo de imaginação, mas, convenhamos, que ao passá-las para as telas as suas obras tornam-se trash e dificilmente nos assustam, muitas vezes até provocando gargalhadas (vide "Fenda no Tempo" [The Langoliers-1995]). O livro "O Iluminado" envolvia muito mais o sobrenatural e fantasmas, e para os fãs de King é considerado uma de suas obras mais assustadoras.
Kubrik disse que gostava de apanhar uma obra medíocre e transformá-la e um filme, que resultaria em algo bom. Isso pode se adequar ao caso do Iluminado. Kubrik retirou todos os fantasmas e monstros que continham no livro e concentrou-se mais na queda de Jack Torrance, no perigo crescente de suas atitudes, de suas confusões mentais e alucinações. Algo mais psicológico e realista, e motivo este que faz com que os fãs de King desaprovem a adaptação de Kubrik, que creem ser infiél ao livro. Nem o próprio escritor aprovou.
O filme, como já dito antes, não é dos sustos e dos sangues, mas sim da perturbação. Era necessário um ambiente e um clima certo para nos convencer à ver Torrance perdendo a sanidade. E nada melhor que aquele hotel. Os lugares longos, grandes e vazios contribuíam para o suspense, e cada vez ficamos mais admirados com as atitudes de Torrance, que começa a enlouquecer. Nós podemos acompanhar a sua loucura durante o filme, e foi tão bem feito e tão convincentes que passamos a temê-lo.
Talvez nem seja necessário mencionar sobre a atuação de Jack Nicholson. Está perfeito, melhor impossível. Um dos melhores trabalhos na carreira deste memorável ator, transparecendo a insanidade e a loucura do personagem da forma mais convincente possível.
Shelley Duvall fez algo aceitável, mesmo depois de levar várias e várias broncas de Stanley Kubrik, que chegou a filmar mais de 100 vezes uma cena até conseguir ficar bom.
O filme tem a pitada de sobrenatural, nas cenas com o garoto Danny, o qual tem visões, previsões do futuro e até conversa com o Tony, seu "amigo imaginário" no indicador.
Em 1997, o escritor Stephen King refilmou O Iluminado, sendo esta, segundo ele, a "versão definitiva e fiél", para a sua alegria e a de seus fãs também. Porém, preciso mesmo dizer qual foi a melhor versão?
O Iluminado é um caso raro. Baseado em um livro, conseguiu superá-lo mesmo com grandes alterações e infidelidades. Alterações estas que fazem o filme ser o que é. Certamente, uma das melhores obras não apenas de Kubrik, mas também de todo o suspense/terror do cinema. Indispensável e obrigatório para todo o cinéfilo.
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