“Você já fez alguma loucura por amor?”. Essa clássica frase parece medir os limites que as pessoas chegam para provar esse bizarro sentimento. Se houvesse uma olimpíada de loucuras amorosas, talvez a vencedora da medalha de ouro fosse a loucura do curta “Ele Tirou Sua Pele Por Mim”.
O filme conta, à partir do ponto de vista da mulher (Anna Maguire), a história de um casal de namorados. “É isso que você quer?”, indagava o namorado (Sebastian Armesto). “Sim”, responde a amada. É aí que ele decide retirar toda a sua pele por ela. Literalmente. O pequeno conto mostra então o desenrolar do romance a partir desse ato.
Já nos primeiros minutos, quando ele está retirando a pele, o filme introduz uma elipse magistral: enquanto ela prepara o jantar e mostra-se ansiosa para ver o resultado do namorado, um pedaço de carne vermelha é posta numa chapa. Ela observa de forma tensa a carne, enquanto ele surge para exibir a realização. É só o começo de um show de metáforas que preenchem os 10 minutos de filme.
Inteiramente narrado pela namorada, esta começa falando que as coisas permaneceram iguais depois que ele retirou sua pele. Ou quase iguais. Mesmo com o amor intacto, pequenas situações cotidianas vão se revelando alteradas. As colchas de cama têm que ser lavadas todos os dias. O piso – e tudo que ele se encosta – deve ser limpo frequentemente. Sem a proteção térmica da pele, ele sente frio enquanto ela morre de calor. E no trabalho as coisas não vão muito bem, afinal quem vai querer fechar negócios com alguém como ele?
Mas a áurea de positividade continua imperando. Ela lava os lençóis e limpa a casa com um sorriso no rosto. Liga o aquecedor e brinca: “Pelo menos ainda não é inverno”. E fala “Não se preocupe, os clientes certos não vão se importar e vão entender”. Tudo vale a pena em nome do amor.
Só que tais alterações começam a implicar de formas mais profundas na relação. Ela (e a casa) acorda todos os dias banhada em sangue. Ele fica cada vez mais depressivo pelas frustrações no trabalho e o distanciamento dos amigos, que não entendem, e até temem, seu novo corpo. Os jantares, antes festivos e calorosos, vão se tornando frios e quietos.
“Ele Tirou Sua Pele Por Mim” é uma gigante metáfora da complexidade que é o relacionamento. A pele, o maior órgão do corpo humano, é uma metáfora às máscaras sociais que nos escondemos. Mesmo ela dizendo que quer aquilo, em momento algum ela o obriga a tirar a pele. Ele faz isso conscientemente porque a ama. E amar não é despir-se de todas as nossas máscaras? Quando nos permitimos nos apaixonar, nos tornamos vulneráveis, emocionalmente falando. Ben Aston, diretor do curta, transforma essa vulnerabilidade numa composição visual genial. Tem como ser mais fisicamente vulnerável que arrancando a própria pele, o órgão de proteção?
Numa cena, tomado pela frustração no trabalho, ele vai até o guarda roupa e pega sua pele pendurada, cogitando vesti-la para trabalhar, porém se recusa a colocar aquela máscara novamente. Ele prefere ser fiel a quem realmente é por dentro. É então que percebemos o diálogo da namorada, quando fala que "os clientes certos entenderão", é uma alusão às peculiaridades da vida terrena. É manter-se fora do padrão e se aceitar como realmente é.
Se ele decide retirar a pele para a amada, então ela não o ama igualmente por não retirar sua pele? É uma pergunta válida e com fundo de verdade, mas ela se mostra em pura devoção ao namorado, seja pelos olhares derretidos, seja pelas horas que passa limpando tudo pela casa, só para ser suja novamente quando ele voltar. Na cena do banho, ela decide retirar sua pele também, porém desiste. Pela dor física? Talvez, mas provavelmente pelo medo da exposição, o que deixa o namorado ainda mais triste. Quando ela o vê pela primeira vez sem pele, fala “Eu consigo ver tudo. Ele é lindo”. Por que ela não derruba todas as suas muralhas e o deixa ver quem ela é de verdade por dentro?
“Ele Tirou Sua Pele Por Mim” é o primeiro filme de Ben Aston, feito como trabalho de conclusão de curso, o que deixa o efeito ainda mais absurdamente incrível. Trata-se de um cineasta fresco que acaba de sair da Academia com uma obra tão arrebatadora. Feito através de financiamento coletivo, o curta não possui efeitos especiais: toda a composição do namorado sem pele foi feita com maquiagem, colando músculo por músculo no corpo do ator num processo que durava oito horas.
E é a maquiagem que dá o tom certo do filme, afinal, se ela se mostrasse inverossímil, o filme perderia todo o impacto. As fibras do tecido muscular são tão fidedignas que causam agonia, tensão, angústia e aflição, principalmente em cenas onde a namorada passa a mão pelos músculos. É colocar o espectador em posição desconfortável para imaginar-se diante daquela situação.
Numa orquestra de elementos perfeitos (a fotografia e edição também são um deleite para os olhos), “Ele Tirou Sua Pele Por Mim” possui apenas 10 minutos, mas consegue em tão pouco tempo gritar discussões e reflexões realizadas de maneira estupenda ao tirar o público da zona de conforto que é a própria pele.
Publicado originalmente em: http://capitalteresina.com.br/colunas/cinematofagia/maior-dificuldade-num-relacionamento-em-ele-tirou-sua-pele-por-mim-e-se-tornar-vulneravel-1509.html
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