“Escritor-fantasma ("ghost writer", em inglês) é como se chama a pessoa que, tendo escrito uma obra ou texto, não recebe os créditos de autoria - ficando estes com aquele que o contrata ou compra o trabalho.” Definição de "escritor fantasma" do Wikipédia.
Substituindo os maneirismos, normais do gênero de mistério – mais particularmente o investigativo –, por elegância, Roman Polanski recria, em O Escritor Fantasma, seu maior filme: Chinatown. Evidentemente que essa nova obra não é uma cópia da antiga, longe disso; ela bebe, todavia, da mesma fonte de genialidade – ainda que longe da maestria alcançada em 74 – e estabelece um universo similar de mistério, mentiras, traições, investigação, etc.
Polanski se mostra, novamente, um verdadeiro mestre do suspense, criando nesse filme uma atmosfera hitchcockiana como poucos, misturada, ainda, a toda sua marca pessoal como realizador, já bastante fixada ao longo dos anos. A começar pela ambientação, fria e envolvente. No isolamento de uma pequena ilha próxima a Washington D.C, Polanski cria um cenário que transpira mistério desde as primeiras cenas ali passadas. Os elementos que compõe o suspense vão sendo lentamente introduzidos desde o início do filme, plantando questionamentos na cabeça do espectador enquanto esse imerge na poderosa narrativa do diretor.
A direção é precisa e comedida no ponto certo. Polanski não abusa de planos excessivamente elaborados nem de maneirismos visuais; engana-se, entretanto, quem confunde isso com simplicidade. Planos sequência, trilha sonora, fotografia, sonoplastia, montagem, tudo foi calculado e utilizado na medida certa – sem cair nos exageros comuns de alguém que tenta “super-estilizar” um filme – para criar uma das mais envolventes atmosferas de suspense dos últimos 10 anos.
“Roman Polanski recria, em O Escritor Fantasma, seu maior filme: Chinatown”. Esse trecho, recortado do início deste texto, implica uma inevitável conclusão: da mesma forma em que Ghost Writer bebe da fonte de Chinatown, ele também o faz com o próprio gênero noir. Aqui, todavia, está um dos grandes trunfos de Polanski no filme. Ele utiliza, sim, muitos elementos noir, porém ele quebra as barreiras do gênero – de tal forma que o filme não foi classificado como tal – e manipula algumas de suas características mais primordiais em prol da sua obra. A femme fatale, por exemplo, existe em O Escritor Fantasma de uma forma absolutamente nova em relação a qualquer filme noir, tanto que é difícil reconhecê-la dentro dessa caracterização durante o filme.
Também há, nesse rompimento com as regras do noir, a substituição da figura da polícia pela mídia, que durante toda obra é a responsável por manter nós – os espectadores – a par dos progressos da investigação dos crimes de guerra de Lang. Não há, em momento algum, um detetive propriamente dito (como é comum no noir), apenas um escritor curioso – e, pode-se dizer, até paranoico – em relação a que situação está envolvido – e cada vez mais enraizado. A mídia, por sinal, é um dos elementos mais presentes nessa obra de Polanski e contribui integralmente para o estado de paranoia e mistério alcançado. Estado esse que alcança seu expoente a partir da segunda metade do filme (cerca de 1h15 de duração até o restante da obra), onde o suspense se torna sublime, principalmente na brilhante sequência que começa na saída da casa de Paul Emmett (Tom Wilkinson) culminando na barca.
O último, e mais detalhístico, elemento que destaco no filme é o típico humor britânico que permeia, disfarçadamente, a narrativa. Ao invés de ficar descabido no filme, devido ao gênero que dificilmente abre espaços para piadas, o humor funciona de forma crítica e com aplicações bem sutís e pouco frequentes, sem estragar o clima. Sua utilização foi perfeita e só teve a acrescentar a um filme já grande. Até mesmo nisso, Polanski lembrou Hitchcock, entusiasta desse tipo de humor mais sutil e irônico, mesmo em filmes de suspense.
É uma pena que o filme não tenha alcançado grande sucesso, principalmente popular, porém também de crítica (que se dividiu em relação à obra). Acredito que boa parcela de responsabilidade se deu ao final, que foi o tiro definitivo que matou a chance de popularidade da obra, ainda que tenha sido totalmente brilhante. De qualquer forma, Polanski segue fazendo filmes melhor que a grande maioria dos realizadores atuais, se modernizando sem nunca perder sua imensa habilidade ou suas peculiaridades que o tornam inconfundível. Um verdadeiro gênio.
Texto originalmente publicado em:
http://criticpop.blogspot.com.br/2014/08/o-escritor-fantasma-ghost-writer-2010.html
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